O crescimento do turismo sustentável no Brasil mostra que a atividade pode ser lucrativa e ajudar a preservar nossos paraísos naturais, aliando desenvolvimento humano ao econômico

Do alto Do morro, a vista percorre a floresta da mata atlântica até onde o horizonte alcança. o limite do verde é a areia das praias desertas de Ilhéus, no sul da Bahia. a longa extensão de areia é separada da mata apenas por fileiras de coqueiros e algumas casas modestas da população local. No canto da enseada, uma faixa de floresta invade o mar. É a Ponta da tulha, parte da Área de Proteção ambiental (aPa) da lagoa Encantada, de 11,8 mil hectares, onde o governo da Bahia anunciou, no início de 2008, a construção de um complexo portuário que inclui porto, aeroporto e ferrovia para escoar minério de ferro de Caetité, no interior da estado. O empreendimento conta com recursos públicos e privados da ordem de 4 bilhões de reais e está previsto para ser concluído em 2012. o chamado Porto Sul será o segundo maior do Nordeste e vai ocupar, entre os municípios de Ilhéus e Itacaré, uma área de 1,7 mil hectares – incluída integralmente dentro da aPa da lagoa Encantada.

Um conjunto de organizações da sociedade civil, pesquisadores e empresários do setor de turismo resiste à obra e alerta para os impactos que o porto causará na região. “o projeto parte do princípio de que o sul da Bahia é decadente, mas a região tem potencial. além disso, o governo do estado pretende investir outros 4 bilhões de reais em turismo. acabar com tudo isso seria desperdício de dinheiro”, protesta rui rocha, presidente do Instituto Floresta Viva, uma das ONGs da região mobilizadas contra o empreendimento. De acordo com rocha, o porto, se construído, vai degradar a mata, prejudicar a economia cacaueira e turística. a Bahia mineração ltda. (Bml), responsável pela extração do minério em Caetité e maior interessada no complexo portuário, garante que não. “o turismo não será prejudicado, pelo contrário”, rebate amaury Pekelman, da Bml. “Será até mesmo beneficiado pelo aumento do número de pessoas em Ilhéus”. Para Sérgio mendes, do ministério Público Estadual, o projeto é ilegal. “a lei brasileira não permite que um empreendimento privado e com grandes impactos ambientais seja construído em uma área de proteção”, afirma o promotor. Pelas ruas de Ilhéus, a população busca entender qual caminho vai ser mais vantajoso para a região: o porto ou o turismo?

O impasse entre o desenvolvimento da região de Ilhéus por meio do turismo ou a partir da construção do complexo portuário é um exemplo recente dos dilemas enfrentados pelos grandes destinos ecológicos do Brasil. É possível que cidades e comunidades cresçam sem que suas praias, ma-res, rios e florestas sejam destruídos? o turismo pode ser o caminho que permita ao país gerar empregos e riqueza sem ameaçar seu o patrimônio natural? o turismo é um setor fundamental para o desenvolvimento sustentável do Brasil? Para responder a essas questões, Sustenta! pesquisou a realidade de locais com biodiversidade bem conservada e que, de alguma forma, têm lutado para se tornar exemplos de sustentabilidade, ou seja, que avancem rumo ao futuro com prosperidade econômica, justiça social e respeito ao meio ambiente. ainda que cada um dos destinos esteja em uma fase diferente desse trajeto, enfrentando pequenos ou maiores percalços, as experiências mostram que, cada vez mais, a resposta é sim – é possível gerar renda para um município e melhorar a qualidade de vida de sua população por meio da preservação ambiental.

SETOR TURBINADO 

O turismo apresenta um dos maiores potenciais econômicos do Brasil. Cada vez mais recebe recursos públicos para melhorar infra-estrutura e serviços. o programa do ministério do turismo que responde por esses investimentos tem orçamento de cerca de 2,3 bilhões de reais, para serem gastos nos próximos dez anos. o turismo hoje emprega 5,7 milhões de pessoas direta e indiretamente e o governo federal estima que, em 2008, o setor movimente 14,5 bilhões de reais. No turismo a geração de emprego é, inclusive, mais barata do que em outros setores. Segundo a Embratur, o custo de uma nova vaga na hotelaria é de 16 mil reais, enquanto na indústria têxtil e na siderurgia, por exemplo, é de 28 mil e 68 mil reais, respectivamente.

Dentro desse cenário promissor, o setor cada vez mais se adapta aos nichos de mercado para vender pacotes a destinos tradicionais, como Paris e Nova York, por exemplo, viagens em cruzeiros marítimos, estadias em resorts no Nordeste, roteiros baseados em atrações históricas, esportivas, culturais, gastronômicas e, claro, de compras. o ecoturismo é mais uma tendência desse mercado. a diferença é que ele depende de ambientes naturais preservados. além disso, o segmento deve utilizar de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentivando sua conservação e o bem-estar das comunidades envolvidas. É, nesse sentido, irmão do conceito de turismo sustentável, cujas premissas são as mesmas, mas que valem para qualquer destino, não apenas os dotados de praias, rios e montanhas intocadas, mas também para grandes cidades, centros históricos, culturais e comunidade rurais. “Qualquer turismo pode ser sustentável ou ecológico”, diz o deputado federal Fernando Gabeira (PV-rJ). “Depende das práticas adotadas pelo setor e pelas pessoas, que devem minimizar ao máximo o impacto de sua passagem pelos lugares.” É como alertam as tradicionais placas: “Não deixe nada além de pegadas, não tire nada a não ser fotografias e leve para casa apenas lembranças”.

Em 2004, o crescimento do ecoturismo no mundo foi três vezes maior do que o turismo convencional. Além disso, pesquisa da The International Ecotourism Society (TIES) mostra que, entre os turistas americanos, costa-riquenhos, australianos e europeus, um terço está disposto a pagar mais por empreendimentos socioambientalmente responsáveis. Levando-se em conta que o Brasil é um dos países com maior variedade de paisagens naturais preservadas, incluindo um litoral de 9,2 mil quilômetros de extensão, o Pantanal e a Amazônia, entre outras atrações, a oportunidade está dada – resta saber como explorá-la de forma conseqüente.

COMO SE FAZ BONITO

Omunicípio de Bonito, no Mato Grosso do Sul, chegou lá. Mas não foi fácil. Joelma Silveira, dona de uma agência local, lembra que, no início dos anos 1990, os habitantes bonitenses não sabiam do potencial turístico da região. “Não estávamos acostumados com aquele monte de gente chegando e não entendíamos por que eles vinham”, conta. Com o boom turístico dos últimos anos, o município recebeu asfalto, saneamento básico e equipamentos de saúde. Além disso, se multiplicaram as agências de turismo, pousadas e até escolas de idiomas. Para evitar que a exploração turística degradasse a região, a prefeitura criou regras de conduta e de acesso aos pontos mais visitados, como a Gruta do Lago

Azul. Hoje, Bonito impõe limite ao número de turistas nos passeios. “Quem fiscaliza o comportamento dos turistas são os próprios cidadãos”, diz Regiane Sal­vadore, da prefeitura local. Para completar o círculo virtuoso, o governo e a iniciativa privada investem na formação dos moradores em profissionais de turismo competentes e ambientalmente conscientes.

PARAíSO LOTADO

As mesmas restrições e regras rígidas para a visitação de Bonito foram aplicadas no arquipélago de Fernando de Noronha (PE), um dos destinos nacionais mais procurados e caros do país. Aadministração local limitou em 450 pes­soas o número de visitantes na ilha. Para Alexandre Lopes, coordenador de Meio Ambiente e Ecoturismo do distrito, o turismo no Parque Marinho de Fernando de Noronha depende integralmente da conservação da natureza. “Estamos tendo sucesso, o turismo melhorou a infra-estrutura e a quali­dade de vida na ilha”, conta Lopes. Odestino, entretanto, ainda tem desafios a superar. É o que diz Domício Cordeiro, dono de uma pousada e antigo administrador geral da ilha. “Noronha só suporta 2 mil pessoas, mas conta com 3,5 mil habitantes hoje, assim não vai dar para ser sustentável.” Os principais mecanismos de controle do distrito são as taxas de preservação e ancoragem, que restringem o fluxo de visitantes. Ataxa de preservação varia de 35 reais, para um dia, até 2.847 reais, para 30 dias.

Inserir a comunidade local no mercado de turismo em uma região pode ser um bom começo para promover a preservação e o desenvolvimento socioeconômico. É esse o trabalho de Cecília Zanotti, da ONGProjeto Bagagem, que promove o turismo comunitário. Oprojeto leva os visitantes a lugares de paisagem preservada para que conheçam co­munidades locais. “Nesse modelo, os moradores nativos participam da gestão da atividade turística. Eles não são apenas empregados dos empreendimentos, mas também participantes das decisões sobre como o turismo deve ser promo­vido no local”, explica Cecília, que desenvolve ações em vários pon­tos do país e mora em Lençóis, no Parque Nacional da Chapada Diamantina, Bahia. Trata-se de um dos grandes pontos turísticos do Brasil. “Afalta de estrutura e de controle dos visitantes precisa melhorar para que o turismo se desenvolva mais”, diz Antônio Matos, da associação de turismo da Chapada Diamantina. Existem apenas cinco analistas ambientais para monitorar o parque, uma área total de 152 mil hectares.

Afalta de infra-estrutura foi su­perada na região de Brotas, interior de São Paulo, ícone de ecoturismo aliado a esportes de aventura. Em 1993, um estudo da prefeitura iden­tificou os recursos naturais existentes no município, como cachoeiras e trilhas, propícios para a prática de esportes. Os gestores locais resolveram se arriscar no negócio. “Avinda dos turistas estimulou a população a se estruturar. Muitos fazendeiros avaliaram que o turismo era mais lucrativo que a cana, equipando suas proprieda­

des para visitação”, conta Mônica Gasparini, secretária de turismo de Brotas. Hoje, as fazendas que trabalham com ecoturismo foram elevadas a APAs. “É muito mais rentável para o proprietário, pois gera uma cadeia de serviços maior do que a cana.” Governo, iniciativa privada e população se mobilizaram para que os empreendimentos vingassem, criando cursos de capacitação e empregos.

Oecoturismo também pode ajudar a preservar a Amazô­nia. É nisso que apostou a proprietária do Cristalino Jungle Lodge, em Alta Floresta (MT), Vitoria Da Riva Carvalho. Ela transformou sua propriedade de 9,7 mil hectares em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) para receber seus hóspedes – 80% deles são estrangeiros. Ohotel emprega apenas moradores locais e consegue, com diárias de até 500 reais, auto-sustentar a estrutura de 17 acomoda­ções e mais de 30 quilômetros de trilhas. Aadministração firmou convênio com fazendeiros, que complementam a renda ao receber turistas em suas terras. “Eu acredito que é possível manter a floresta de pé e um negócio em bom funcionamento. Tem dado muito certo”, afirma Vitoria.

Brotas e Alta Floresta são bons exemplos do que pode dar certo e do que precisa ser melhorado para que o tu­rismo sustentável seja uma ferramenta de preservação e crescimento econômico. Há dificuldade, é claro, como a falta de infra-estrutura, investimentos e planejamento. Também ocorrem disputas com outras atividades econô­micas – como no caso de Ilhéus. As principais estratégias que vêm sendo utilizadas de forma bem-sucedida para driblar esses problemas incluem investimentos contínuos, organização e capacitação da comunidade para receber os turistas e, sobretudo, valorização das paisagens que a natureza nos oferece sem cobrar nada.

Bonito-MS

Bonito é um bom exemplo de que o turismo pode estimular o investi­mento na estrutura de saneamento, saúde, educação e pavimentação da cidade. Assim como boa parte do estado do Mato Grosso do Sul, Bonito era uma região dominada pela agropecuária. Durante a década de 1970 assistiu aos primeiros – e poucos – interessados em seus atra­tivos naturais, aventureiros que se arriscavam pela mata sem trilhas e improvisavam viagens. Foi só em 1990 que a região surgiu como um destino ecoturístico para valer. Hoje, 56% da mão-de-obra local vive da atividade, puxando melhoras na educação e saúde do município. Não por acaso, Bonito teve aumento de 72% do PIB per capita entre 2000 e 2004. Para manter o ambiente preservado, estabeleceu uma série de restrições ambientais, como um limite ao número de visitan­tes nos passeios e o cuidado com a limpeza da cidade e das trilhas.

Brotas-SP

De tradicional economia baseada na produção da cana-de-açúcar, em dez anos o município paulista de Brotas passou a ser conhecido como um dos principais destinos de ecoturismo e turismo de aventura do Brasil. Como? Com o esforço conjunto do governo, iniciativa privada, ONGs e mobilização dos habi­tantes para promover o potencial turístico dos recursos naturais presentes nas fazendas da região. Hoje, o turismo continua em franca ascensão. Emprega 1,5 mil pessoas diretamente e gera 27 milhões de reais ao ano, 7 milhões a mais que em 2002. Ocrescimento do setor em Brotas também foi acompanhado pelo desenvolvimento da população, que trabalhava em sua maioria na produção de cana e recebeu cursos de formação para se especializar em serviços ligados ao turismo e à preservação ambiental.

Fernando de Noronha-PE

Até a década de 1980, o pequeno arquipélago de Fernando de Noronha (PE), localizado na costa do Nordeste brasileiro, abrigava um presídio. Já naquela época, o cenário selvagem, as águas cristalinas e a biodiversidade marinha atraíam a atenção de pessoas do Brasil e de outros países. Em 1988, o governo federal criou o Parque ma-rinho de Fernando de Noronha para evitar que a pressão alterasse o frágil ecossistema do local. o parque ocupa 70% do território do arquipélago. Hoje, Noronha abriga desde pousadas de nativos até instalações luxuosas, que atraem a cada ano um número maior de visitantes. ao mesmo tempo, o excesso de moradores começa a ameaçar a sustentabilidade do lugar. Para contornar o problema, a administração local analisa caso a caso os pedidos de trabalho temporário e de moradia permanente. também criou a taxa ambiental, valor proporcional pago para cada dia de permanência no arquipélago. Hoje, os recursos oriundos da taxa garantem 80% da arrecadação total do distrito.

Chapada Diamantina – BA

O fogo que se alastrou por 50% da área do Parque Nacional da Chapada Diamantina em novembro não chegou a prejudicar o fluxo de turistas para o local. Segundo a ad-ministração, os roteiros de visitação, que cobrem de 2% a 3% do Parque Nacional, não sofreram com as queimadas, que fazem parte do ciclo natural da vegetação do cerrado, mas que saíram do controle neste ano. ao mesmo tempo, a comunidade de lençóis, município que recebe a maioria dos turistas que vai à Chapada, tem buscado organizar e planejar o setor, de forma a conservar o meio ambiente e trazer desenvolvimento para a região. Uma das iniciativas é o Projeto Bagagem, que promove o turismo comunitário, um modo de estimular a geração de renda entre os mora-dores e valorizar a cultura local.

Alta Floresta – MT

Aestrutura do Cristalino Jungle Lodge, um empreendimento de turismo sustentável no município de Alta Floresta, na Amazônia mato-grossense, foi desenvolvida com cuidados especiais para não impactar o ecossistema local. Localizado à beira do rio Cristalino, o hotel depende apenas de si próprio para se sustentar. Aenergia é gerada parte pela hidrocinética, que aproveita o movimento da água, parte pela captação de calor do sol e o restante por geradores. Olixo é separado em orgânicos e inorgânicos. Aprimeira parte passa pelo processo de compostagem, que resulta em adubo, enquanto a segunda é mandada para reciclagem. Oesgoto dos sanitários é depositado em canaletas, onde reage com bactérias que liberam os minerais do efluente. No final do processo, parte da água é evaporada pelo solo e outra parte é transpirada ou absorvida pelas plantas no topo da canaleta. Toda a água do local é tratada.