Diante da crise econômica, representantes de empresas afirmam que modelos de lucro rápido às custas do meio ambiente provaram serem ruins para os negócios, e agora não vale a pena perder tempo com discursos sem prática

QUANDO PERDEMOS A CONFIANÇA nas ações de sustentabilidade das empresas? Com a disseminação do conceito, muito papo e pouca ação afastaram ainda mais o público da iniciativa privada. Representantes corporativos do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) reconhecem a falha e explicam que a quebra da confiança se deve à falta de transparência por parte das organizações, que deveriam negociar de maneira mais aberta. O diagnóstico vem de quem tem conhecimento de causa: a entidade intermedeia a troca de experiências, conhecimento e práticas de corporações como a Sony, o Deutsche Bank, a Boeing, a Holcim e a IBM.

Crítico da falta de uma política de colocar as cartas na mesa, Per Sandberg, um dos diretores da organização, afirma que a sustentabilidade da boca para fora perde cada vez mais a voz no mundo corporativo. “A sustentabilidade ficou mais sóbria. O conceito foi estreitado e está agora no cerne das empresas. Tinha muito direcionamento para Responsabilidade Social Empresarial, uma comunicação fácil que parece bonita na foto, mas que não era importante para ninguém. Isso desapareceu”, explica.

Em uma mansão afastada do centro de Genebra, na Suíça, em um canto da longa mesa da sala de reuniões que congrega frequentemente representantes estratégicos de 200 das empresas mais importantes do mundo, Sandberg e Li Li Leong, representante da Pricewaterhouse Coopers e gerente do projeto Vision 2050, que analisa o papel das corporações por um mundo mais ecologicamente correto, receberam a reportagem da Sustenta!.

Em uma conversa descontraída e franca, falaram sobre a criatividade de fazer mais com menos recursos devido à crise econômica mundial, a mudança de mentalidade das grandes empresas e a necessidade de criar políticas públicas aliadas a soluções de mercado contra as mudanças climáticas. “As emissões de carbono têm que custar algo para as empresas para que haja investimento”, exemplificam. Eles não têm medo de sonhar alto. “Queremos mudar as regras do jogo”. E o modo de conseguir isso seria motivar as empresas a, no cenário de crise e ruínas, adotar uma nova postura socioambientalmente correta.

Com a crise, o orçamento das empresas diminuiu. A sustentabilidade corporativa perdeu com isso? 

PS Tenho certeza de que houve muitas mudanças de orçamento, mas nós não mudamos nossa opinião e ainda dizemos que o mundo precisa de uma solução para o clima. E não apenas isso. Temos crescentes restrições de água e comida, o que indica que teremos um futuro  menos abundante, com competição por recursos. É claro que muitas empresas estão cortando custos, mas é muito interessante observar que o interesse pelo desenvolvimento sustentável não desapareceu. Em qualquer revista, há mais coisa escrita sobre essa questão agora do que há um ano. Acredito que a crise no setor financeiro nos mostrou o que acontece quando não pensamos no longo prazo, qual é o resultado quando se contrai uma dívida ou se assume riscos conscientemente. Você leva um duro golpe. A situação é confortável e bacana por cinco, dez anos. É lindo, todos ficam mais ricos, e aí – BUM – você é esmagado e perde tudo em questão de um mês. Se adotamos padrões insustentáveis e construímos em solo instável, o empreendimento não vai durar.

LLL As empresas estão tentando pisar no freio em algumas frentes, mas a diferença é que toda solução que surge é sustentável. Antes estavam trabalhando a 100%, com o orçamento separado entre sustentabilidade e outros gastos corporativos. Agora estão cortando, mas ainda que cortem 20%, os 80% restantes são aplicados já de maneira sustentável. Então, apesar de cortar custos, elas olham para os negócios de maneira mais sustentável. Sob esse ponto de vista ainda é uma vitória, porque elas não estão cortando gastos em desenvolvimento sustentável. Agora estão mais focadas em soluções sustentáveis.

Mas o discurso da sustentabilidade tem um respaldo prático das empresas?

PS A sustentabilidade ficou mais sóbria. O conceito foi estreitado e já está no cerne das empresas. Muitas das coisas “legais” ocupavam o tempo das empresas, que faziam a comunicação dessas coisas porque era mais fácil. Havia muito direcionamento para Responsabilidade Social Empresarial, uma comunicação fácil do que parece bonito na foto, mas que não era importante para ninguém. Isso, do nosso ponto de vista, desapareceu. O que vemos agora é uma estratégia mais focada no longo prazo, em como vamos assegurar nossos processos produtivos. É muito mais interessante, difícil e de volta às bases do desenvolvimento sustentável. É isso o que vemos hoje nas empresas, reajustamento.

LLL A Malásia, por exemplo, começou com Responsabilidade Social Empresarial, o que era basicamente doar no trabalho ou de comunicação corporativa. No entanto, cada vez mais vemos que as empresas mandam estrategistas para trabalhar conosco. Isso é um sinal muito claro, porque a área de estratégia das empresas trabalha com o futuro, seus funcionários são próximos aos presidentes e têm poder de decisão dentro da organização. Um executivo do setor ambiental ou de segurança participa das operações diárias, se certifica que as coisas estão sendo executadas de maneira correta, mas são menos envolvidos em que tipo de negócio a empresa estará engajada no futuro.

Então a sustentabilidade ganhou com a crise?

PS Não. A crise é um problema na medida em que temos menos recursos. Há cortes de orçamento, de pessoal, de investimento em novas tecnologias para solucionar o problema das emissões de poluentes. Agora é um momento difícil de levantar recursos financeiros porque todo o dinheiro está congelado. Ele existe – em grande quantidade –, mas ninguém quer correr riscos nesse momento. Há um ano estávamos correndo riscos incríveis e agora as pessoas não investem nem mesmo em bons projetos. Então vivemos uma época de inércia que prejudica todo tipo de nova iniciativa.

LLL Um dos lados positivos da crise é que, com a recessão, as pessoas passaram a ser mais criativas. O lado bom é que as empresas têm se tornado mais eficientes em vez de desperdiçar recursos. Acredito que, quando sairmos dessa crise, as pessoas ficarão surpresas com o que o período trouxe. As prioridades estão mudando, tentamos fazer mais com muito menos.

O público geral confia nessa mudança de atitude e no real interesse das empresas?

LLL As pessoas não confiam nas empresas. Primeiro, de uma perspectiva financeira, porque as empresas não estão ganhando dinheiro e existe muita fraude. Depois, também há a desconfiança em relação à sustentabilidade: as organizações estão pensando nas pessoas e no meio ambiente quando produzem? Nos últimos tempos, descobrimos muitos produtos que faziam mal às pessoas, o que criou uma nova onda de desconfiança. De qualquer modo, negociar de uma maneira sustentável não significa que as empresas não se importam em ter lucros, porque os negócios existem para gerar dinheiro. Mas enquanto o fizerem de uma maneira sustentável, sem prejudicar o meio ambiente ou as pessoas, eu acredito que elas têm o direito de ter lucros.

Esse laço de confiança pode ser reatado?

LLL Quando as pessoas começavam a confiar mais nas empresas, por conta dos mecanismos de governança e regulação, chegou a crise financeira e voltamos ao estado de desconfiança. Mas a situação está forçando as empresas a criarem políticas para reconquistar o público, como a realização da contabilidade dos aspectos intangíveis da empresa, a sustentabilidade. Se seguirmos essa tendência, em alguns anos vamos corrigir os problemas e espero que a confiança volte. Mas, ao mesmo tempo, esse é o momento para as empresas reconstruírem a relação de confiança com o público. Se elas não fizerem algo agora, no momento em que as pessoas buscam soluções para a crise, vão perder esse barco. Quem aproveitar a oportunidade vai sair dessa recessão muito melhor do que os outros que estão na defensiva falando que não podem gastar dinheiro com sustentabilidade.

Mas como reconquistar o público? O que cada uma das partes deve fazer?

LLL Há muitas questões internas que as pessoas devem entender, como as razões pelas quais as empresas tomam cada decisão. Uma das questões relacionadas à confiança é a transparência das empresas. Há muitas decisões sendo tomadas, mas quem está fora da empresa não entende o porquê delas. Nessa hora, a comunicação ajuda. Quando eu negocio, tento me abrir o máximo possível para que as pessoas saibam o que quero fazer. É claro que existe a questão relacionada à competitividade, ninguém está pedindo que as empresas revelem suas fórmulas, mas nós podemos encontrar um ponto de equilíbrio.

Por exemplo…

LLL Se uma empresa compra um pedaço de terra e faz um buraco lá, as pessoas vão querer saber por que ela fez aquilo e se houve um cuidado ambiental e social no processo. Se a organização não explicar suas razões, só verão um buraco. Por isso as empresas precisam liberar mais informação.

E como podemos confirmar o que as empresas afirmam?

LLL Para ter certeza sobre a credibilidade da informação, o melhor é realizar uma auditoria externa. Assim, você se certifica de que o que está escrito no papel é fato, que a auditoria é uma visão independente e que as empresas estão realmente fazendo o que dizem.

O que você diria às pessoas que desconfiam do interesse das empresas em relação à sustentabilidade?

LLL Muito da desconfiança tem a ver com ignorância. No mundo desenvolvido, os investidores são educados e informados. Mas se olharmos para os países em desenvolvimento, como a Índia, outros países asiáticos e até mesmo o Brasil, muitas das pessoas que investem em empresas não são suficientemente informadas sobre o que se passa. Uma das soluções é liberar mais informações por parte das empresas. A segunda é a educação das pessoas. Se quisermos investir em uma empresa, precisamos fazer nossa lição de casa e entender o perfil da organização. Se as pessoas não souberem que um produto é ruim social ou ambientalmente, vão simplesmente consumi-lo. Caso contrário, podem pedir algo que seja melhor para sua saúde, para a natureza e a sociedade.

Em relação aos países em desenvolvimento, não existe um paradoxo entre o interesse pela sustentabilidade e o crescimento desordenado?

LLL A Índia disse primeiro, em relação às emissões de carbono: o maior poluidor são os Estados Unidos, um país desenvolvido. A porção de carbono da Índia é muito pequena, mesmo se ela se desenvolvesse. O ponto que eles colocaram foi: por que precisamos parar de nos desenvolver?

Mas eles estão se desenvolvendo de maneira ambientalmente  responsável?

LLL Podemos nos desenvolver evitando tudo o que deu errado no meio do caminho. Em vez de superar cada estágio que os países desenvolvidos passaram, podemos aprender com a história e atingir um patamar superior. Acredito que é possível e os países em desenvolvimento podem ser tão desenvolvidos quanto as nações ricas, mas sem impactar tanto quanto elas ao longo dos anos. Todos os países têm o direito de se desenvolver, a questão é como fazer isso.

A crise é uma oportunidade para os países desenvolvidos crescerem de maneira sustentável?

LLL Eles têm a chance de se desenvolver e atingir seus objetivos de uma maneira diferente dos países ricos de hoje. Não precisam cometer os mesmos erros de antes. Os países em desenvolvimento têm a vantagem de não precisarem partir do princípio e reinventar a roda. Mas o quanto de desenvolvimento é desenvolvido? Conversamos com comunidades que estão contentes com educação de qualidade e empregos para todos. Eles não precisam de alta tecnologia, os carros mais rápidos do mundo. O que faz as pessoas felizes? Depende muito dos valores. Relacionamos desenvolvimento a uma alta qualidade de vida, mas isso não significa um carro enorme e uma casa gigantesca. Está nos faltando valores fundamentais, e isso depende das pessoas e de sua cultura.

O que as empresas esperam da Confederência do Clima no fim do ano em Copenhague?

PS Nossa mensagem para Copenhague é clara: queremos uma solução para o problema do clima. Acreditamos que é sério, desejamos resolver e exigimos que os governos tomem uma atitude. Eles não podem dizer que as empresas não têm boa vontade, pois não é verdade.

Que tipo de atitude?

PS Os governos deveriam, em primeiro lugar, estabelecer um alvo no longo prazo, decidir o limite que queremos chegar com as emissões. Acreditamos também que é necessário estabelecer um preço para o carbono, precisa custar dinheiro emitir poluentes. Hoje é de graça em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil. Não temos um acordo global que estabeleça um preço comum. A não ser que haja um custo para emitir esse poluente, nenhuma empresa investirá em tecnologias de redução de emissões na quantidade que é necessária. É simplesmente impossível, não podemos fazê-lo, não vai acontecer a não ser que faça sentido economicamente. Uma solução não-mercadológica não é uma solução. Precisamos usar uma abordagem baseada no mercado para solucionar as mudanças climáticas. Precisamos criar novas regras para o jogo.

As empresas topam o desafio? Elas gastariam dinheiro para proteger o meio ambiente?

PS São muitas mudanças que precisam ocorrer, mas não é impossível. As tecnologias em grande parte já existem, e o Relatório Stern calculou que o custo geral para reverter o quadro atual não é muito alto, é talvez 1% ou 2% do PIB global. Está ao nosso alcance e é muito menos do que estamos usando nos pacotes de estímulo hoje. É possível tecnológica e economicamente. Por outro lado, o custo de não resolver o desafio climático seria muito maior. Cada empresa pode fazer um pouco, mas não podemos esperar que elas invistam em baixas emissões a não ser que tenhamos um sistema econômico e político que faça que isso seja rentável e confiável. Ou os governos encontram também uma solução política, ou não solucionaremos o problema e teremos que viver com mais seis graus na temperatura, o que não é muito atrativo.