Números retratam crescimento e valorização do português, que acompanha o atual destaque político, econômico e cultural do Brasil
Quanto vale um idioma? Se a língua portuguesa estivesse em uma prateleira de supermercado, estaria posicionada em destaque em um empório de luxo ou desvalorizada, esquecida em um canto e em promoção em um mercadinho local? Responder a essas questões não é uma tarefa fácil, já que estamos acostumados a medir o valor econômico dos objetos aos quais um idioma dá nome, e não do idioma em si. Mas recente estudo encomendado ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Portugal, se prestou a encarar o desafio de medir essa grandeza, e revela que 17% do PIB do país equivale a atividades ligadas direta ou indiretamente com a língua portuguesa. “É um percentual interessante e até conveniente, por ter ficado ligeiramente acima do que se apurou em Espanha relativamente ao espanhol (15%)”, analisa Carlos Reis, professor da Universidade de Coimbra, professor visitante da PUC-RS e um dos fundadores da Universidade Aberta em Portugal, da qual foi reitor até julho.
Apesar de o número não se aplicar do Brasil, o gigante da língua portuguesa tem sido o maior embaixador do idioma em tempos de globalização. Dos 240 milhões de falantes do português no mundo (algumas estimativas já tratam de mais de 250 mi), 76% são do Brasil. Ou seja: a cada dez falantes do português no mundo, mais de sete são brasileiros. Os dados colocam nossa língua em quinta posição de mais falada no mundo, mas sua importância não é meramente quantitativa. O que tem feito crescer o português aos olhos dos estrangeiros é o destaque político, econômico e cultural que a comunidade de países de Língua Portuguesa, em especial o Brasil, vem recebendo nos últimos anos.
“Uma língua não pode ser mais forte que os países que a sustêm. Na medida em que os países crescerem em importância no palco mundial, também o português crescerá. Se for importante a uma pessoa falar com você, comigo ou conosco, essa pessoa quererá aprender o português, assim como, se deixar de ser importante falar, a força do idioma diminuirá”, observa João Caetano, professor da Universidade Aberta e doutor em Ciência Política. “A língua portuguesa é uma língua bonita. Suave ao ouvido e sedutora nas suas entoações, sendo por isso bem-amada na música, no teatro e nas novelas, é uma língua com plena capacidade para se tornar cada vez mais uma das grandes línguas do mundo.”
Caetano chama a atenção para um simples fato: uma língua nada é sem os seus falantes, e é o interesse do mundo em se comunicar com esses falantes que vai determinar o valor do idioma. Mário Filipe da Silva, vice-presidente do Instituto Camões, organização portuguesa com objetivo de divulgar o ensino da língua e cultura portuguesas no mundo e de promover o português como língua de comunicação internacional, ressalta justamente que a língua portuguesa vem crescendo na medida em que aumenta a sua capacidade de servir de meio de comunicação internacional. “Nesse sentido, a língua constitui um ativo econômico e deve ser considerado como um veículo de penetração econômica e comercial, podendo ser igualmente um instrumento utilizado para vender um grande número de serviços e produtos e poder ser o núcleo para a criação de uma imagem de marca do país”, coloca. Se a marca do Brasil, uma das principais vedetes no cenário geopolítico internacional atual, é o português, Reis aponta que, entre os países da CPLP, chegou a hora de se reconhecer, “sem complexos”, que ele deve ser a força locomotora desta dinâmica de expansão da língua.
Business se fala em português
Com o aumento das exportações brasileiras e das parcerias comerciais estabelecidas com o País, cresce também o interesse pela língua falada no Brasil. Todos os falantes do português ganham com isso, defende Mônica Villela, doutoranda de Ciência Políticas que estuda as novas relações de poder entre os países de língua portuguesa com base no processo de internacionalização do idioma. “Empresários da União Europeia que queiram aprender português para fazer negócios com o Brasil tenderão a fazer um curso de imersão na língua portuguesa em Portugal por estar mais perto geograficamente”, exemplifica. Ainda não há estatísticas para dar forma a esse movimento, mas o estudo sobre o Valor Econômico da Língua Portuguesa, encomendado pelo Instituto Camões e ainda em andamento, deve dar conta desses números. Enquanto isso, a dinâmica dos negócios fala por si mesma. Silva, do Instituto Camões, afirma que em maio, no encontro realizado pela entidade sobre o valor econômico das línguas portuguesa e espanhola, as empresas presentes foram muito claras quando afirmaram que as “suas estratégias de internacionalização passam pela vantagem competitiva de negociar em português”. Outro fator que facilita as negociações em língua portuguesa é a localização geográfica privilegiada dos países da CPLP e os acordos econômicos feitos entre essas nações. “Também há muitos falantes de português no mundo que ocupam posições de direção em empresas mundiais e que vão ser utilizados como agentes de uma nova diplomacia a que eu chamo economia diplomática”, adiciona Caetano.
A anã que virou monstro da internet
Uma das maiores virtudes da internet para a língua portuguesa foi o feito de unir, pela rede, os milhões de falantes dos países da CPLP espalhados pelo globo. Com essa união, logicamente, o idioma ganhou força. De sétima língua mais falada na web em 2007, o português é hoje a quinta, ficando atrás apenas do inglês, chinês, espanhol e japonês, que, com exceção do Japão, possuem muito mais falantes do que os países de língua portuguesa. O dado é da pesquisa Internet World Users by Language, de 2011. Ela aponta que, apesar do português possuir a fatia de apenas 3,9% dos falantes na internet, esse número aumentou 990,1% desde 2000 e, hoje, cerca de 82,6 milhões de pessoas usam a língua portuguesa na rede, o que equivale a um terço dos falantes do idioma no mundo.
O Instituto Camões aponta também que o português é a nona língua em termos de produção de conteúdos na internet em 2011. O vice-presidente Mário Filipe da Silva observa que, tendo em vista que o crescimento da língua portuguesa na internet na última década foi monstruoso, não podemos considerar essas estatísticas pequenas. “A importância desta presença crescente resulta da maior exposição da língua portuguesa na rede e no efeito multiplicador que advirá do aumento de utilizadores e produtores de conteúdos em língua portuguesa em resultado do desenvolvimento econômico, da maior qualidade dos acessos à rede e de uma maior capacidade da população mundial de língua portuguesa para se tornarem em internautas cada vez mais ativos na internet”, analisa.
Outro fato que deu destaque para o português na web é o uso maciço das redes sociais no Brasil, país onde sites de relacionamento fazem grande sucesso (86% dos internautas brasileiros acessam esses sites, segundo pesquisa de 2010 da Nielsen). Nação que abriga o atual endereço de Twitter considerado o mais influente do mundo (do comediante Rafinha Bastos), o Brasil alavancou o português como a terceira língua mais falada nessa rede mundial de microblogs, com 9%, ficando atrás apenas do inglês e do japonês.
Impossível esquecer o caso do Orkut, rede social em que a adesão maciça de milhões de brasileiros gerou uma reação negativa dos usuários norte-americanos, que se incomodaram com a presença constante do português no site e debandaram para outras redes, como o Facebook – hoje com quase a mesma força do Orkut no Brasil, registrava 12,11 milhões de brasileiros contra 31,27 mi no Orkut até fevereiro. A Wikipédia é um caso a parte, em que o português tem apenas 694 mil artigos e é a nona língua no site, ficando atrás de idiomas com muito menos falantes, como o polonês. O presidente do grupo Wikimedia, Kul Wadhwa, no entanto, explicou em visita ao Brasil em janeiro deste ano que os brasileiros, responsáveis por 86% dos artigos em português, preferem consultar a enciclopédia em inglês, que é mais completa, e não têm o perfil de usuários produtores de conteúdo, apenas de consultores – por isso a Wikipédia não cresce tanto em português.
“Outro ponto a avaliar, e que considero importante para a difusão da língua, está nos interesses econômico-financeiros das empresas de todas as partes do mundo e que se fazem presentes, de algum modo, na internet”, pontua Regina Pires de Brito, professora da Pós-Graduação em Letras do Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Mackenzie e coordenadora de Programas e Projetos de Extensão da mesma instituição. “É de se esperar que a quinta língua em número de utilizadores revele uma necessidade de atenção por essas instituições. Sabendo que o inglês é língua global – um caso a parte, portanto – já se vê um número considerável de sites com opção para acesso em português – com claro apelo para o (atraente) mercado brasileiro, diga-se.” Ela cita o exemplo do site da companhia chinesa Lenovo, que tem a opção em língua portuguesa associada ao “Brazil” e a mais nenhum outro país da CPLP.
Cultura admirada, língua disseminada
Enquanto o mundo vive o enxugamento das versões impressas de jornais, no Brasil a tiragem só aumentou nos últimos anos. Em 2010, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), foram vendidos no país 4.314.425 exemplares por dia, um aumento de 2% em relação a 2009. No mercado editorial, os números também só subiram. O Censo do Livro do IBGE revelou que o tamanho do mercado no Brasil, contando publicações do governo, cresceu de 3,3 bilhões, em 2009, para 4,2 bilhões em 2010. No mesmo período, o crescimento do setor editorial brasileiro foi de 8,12%, e o número de exemplares vendidos cresceu 8,3% (apenas as vendas ao mercado) e 13,12% (considerando também vendas ao governo e a entidades sociais).
Os livros em português não estão em alta apenas no Brasil. Em 2010 foram concedidas pela Fundação Biblioteca Nacional 68 bolsas de tradução de livros brasileiros para o exterior, sendo que a média anual costuma ser de cerca de 20. Os autores brasileiros são traduzidos hoje para mais de 17 países. Além disso, o Brasil será, no fim de 2013, tema da Feira de Frankfurt, o maior evento internacional de livros do mundo, e por isso editoras europeias estão atrás de autores brasileiros.
O ensino de português para estrangeiros acompanhou o maior interesse pelo Brasil e, na última década, fez com que escolas de idiomas abrissem novas classes. Embora o Inep-MEC não tenha divulgado em tempo hábil para a reportagem o aumento das inscrições para a realização da prova Celpe-Bras, que certifica a proficiência de estrangeiros na língua portuguesa no Brasil, escolas de renome como o Cel Lep e Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) garantem que a procura cresceu significativamente.
O Cel Lep, com abordagem para adultos e uso da língua no dia a dia, tem uma média de oito a dez solicitações por semana para o curso de português para estrangeiros, número três vezes maior do que seis meses atrás. “Eles vêm para o Brasil cada vez mais por causa das condições econômicas do país e precisam do português para conseguir vagas, competir por empregos e, às vezes, para tentar a sorte”, diz Graça Paiva, uma das coordenadoras do curso de Português para Estrangeiros do Cel Lep. O mesmo aconteceu na Faap, que no começo do seu curso de português para estrangeiros, em 2006, possuía apenas dez alunos e hoje possui 110 de mais de 20 nacionalidades. “O Brasil está sendo mais procurado, as pessoas querem conhecer mais sobre esse país e o aprendizado da língua é importante, porque é a partir da língua que se aprende a cultura. Também tem muita gente que pretende fazer negócios com o Brasil, e por isso vem fazer português”, afirma Lourdes Zilberberg, coordenadora do Departamento de Intercâmbio e Internacionalização da Faap. Ela complementa que, com a vinda de muitas empresas multinacionais para o País, não apenas os executivos estrangeiros transferidos precisam aprender o idioma, mas seus filhos também, a fim de se inserir no sistema acadêmico.
Em adição às escolas particulares, Mônica Villela defende, como diversos especialistas no idioma, que é fundamental criar um Instituto Internacional de Língua Portuguesa a ser gerido pelos países da CPLP para ensinar o idioma a estrangeiros. “A França tem a Aliança Francesa; a Espanha, o Cervantes, Portugal o Instituto Camões, e a Alemanha o Instituto Goethe. É preciso haver mais intercâmbio entre brasileiros, sãotomenses, moçambicanos, portugueses, timorenses etc. Precisamos nos conhecer melhor através deste idioma em comum”, afirma.
Não foi apenas o ensino de português para estrangeiros que cresceu no Brasil. As instituições de ensino superior passaram de 1.859 para 2.314 de 2003 a 2009, segundo o Inep/MEC, e o número de teses equivale a 1,6% da produção mundial (2004 a 2008), um aumento de 0,3% em relação ao período entre 1999 e 2003. O estudo da Royal Society, a academia nacional de ciência britânica, mostra também que a cidade de São Paulo subiu do 38º para o 17º lugar entre as cidades com mais publicações científicas no mundo. Segundo o Instituto Camões, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países ibero-americanos com maior produção científica. “Cresce o número de universidades em quase todos os países de língua portuguesa, crescem os programas de pós-graduação, financiamentos e publicações. As bibliotecas virtuais das universidades do Brasil, país com a maior produção científica em língua portuguesa, têm colocado as dissertações e teses gratuita e massivamente à disposição dos interessados, produzindo-se assim um círculo virtuoso entre produção e acesso que nunca tivemos e que nem podíamos imaginar há 15 anos”, observa Gilvan Müller de Oliveira, diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Investigadores defendem, segundo Mário Silva, do Instituto Camões, que, no futuro, o peso de uma língua vai poder ser avaliado principalmente pela força da economia, do progresso científico, da qualidade institucional e não apenas pelo seu número de falantes. Será essa a vez da língua portuguesa?