Quem não está afinado com esse mundo dentro da internet está falando grego – e sem direito a intérprete

Para quem ingressou no mundo profissional após a consolidação da internet, dependendo da carreira é muito difícil imaginar a rotina de trabalho sem essa ferramenta. Mas para profissões como a de tradutor, essa tarefa se torna praticamente impossível, mesmo que o profissional tenha anos de experiência precedendo a web. “A tradução é uma profissão meio solitária. Se a gente não usar internet vamos ficar fechados em um escritório sem contato com ninguém”, explica Val Ivonica, tradutora independente com foco em traduções técnicas. Mais do que isso, é uma profissão que depende de muita pesquisa, algo que ganhou uma amplitude de opções incomparável com a internet. Mais do que estar conectado, no entanto, um tradutor precisa ver, ser visto e fazer contatos. E nada mais útil para isso hoje do que estar inserido nas redes sociais e no mundo dos blogs, a chamada web 2.0.

Danilo Nogueira, tradutor independente conhecido na rede e com mais de 40 anos de experiência, não hesita: “tradutor mora na web e acabou a história”, sentencia. No blog Tradutor Profissional, que soma 400 a 1.000 acessos diários – totalizando de 12 mil a 30 mil visitas únicas no mês –, Nogueira discute questões relacionadas à prática da profissão junto à colega Kelli Semolini. Para ele, o primeiro fator que destaca a necessidade de estar conectado à web 2.0 é que a profissão de tradutor, em suas palavras, é a mais globalizada de todas. “Em dois sentidos: primeiro, você pode morar onde quiser, mesmo fora do Brasil. Segundo, que a gente tem clientes nos lugares mais inesperados”, observa. “Outro dia, atendi uma empresa em Hong-Kong, por exemplo. Aqui, em São Bernardo do Campo, não tenho um cliente sequer. Acabou aquela história de reclamar que ‘moro num lugar pequeno, não tem serviço’.” Outro ponto essencial é a possibilidade de interação entre os colegas. Segundo Nogueira, a profissão avança hoje com muita rapidez e os tradutores raramente têm condições de se manter atualizados como deveriam. “Na hora ‘H’, a gente dá um grito e alguém ajuda”, diz.

Em um mundo em que a maioria trabalha isolado em sua casa prestando serviço, divulgar o próprio trabalho, fazer pesquisas, captar clientes e fortalecer relações profissionais para solucionar dúvidas e conseguir indicações de trabalho fazem do tradutor atual praticamente dependente da web 2.0. A tradutora Bianca Bold, brasileira morando no Canadá, seguiu os conselhos do colega Danilo Nogueira e, há 11 anos na profissão, conta que não conhece pessoalmente nenhum de seus clientes. “Não acredito que eu teria investido nesta profissão se não fosse pelos contatos que fiz pela internet e pelas redes sociais”, completa. “Com a intensificação das redes sociais, a eficácia dos motores de busca, e todo o mundo praticamente à distância de um clique, esse processo [de contatos com novos clientes] vem se intensificando cada vez mais.”

Bianca criou em 2011 seu primeiro blog, o Translation Client Zone, com foco no cliente de tradução. “O meu objetivo é colaborar com a formação de clientes mais bem informados sobre o mercado e gerenciamento de projetos de tradução, pois tanto os clientes quanto os tradutores saem ganhando”, comenta. Produzir o blog e estar presente no Facebook, LinkedIn e Twitter, para Bianca, é praticamente uma obrigação profissional, pois ela enxerga as redes como extensão de seu escritório e vitrine do seu trabalho e suas capacidades. Apesar do blog ser o principal canal de produção de conteúdo, ao postar algo por lá, ela faz um link para as redes sociais onde está cadastrada e esse é o principal canal para que as pessoas leiam, comentem e repassem as informações. “Se você tem ideias boas para compartilhar, o número de pessoas com acesso as suas ideias será sempre crescente, pois cada leitor que passa um link ou informação adiante alcança mais e mais gente. Quanto mais as pessoas veem nosso nome associado a informações interessantes e relevantes, mais reforçamos a boa impressão que causamos e mais facilmente as pessoas se lembram de nós”, justifica.

Mesmo quando o foco do trabalho do tradutor não é exatamente o mesmo que ele discute na web, uma grande vantagem de estar presente nas redes sociais e produzir um blog de tradução é se tornar ainda mais conhecido e, a partir disso, ser chamado para mais serviços. É o caso do intérprete Ulisses Carvalho, que realiza traduções simultâneas entre o espanhol-português, e inglês-português e criou na década de 1990 o blog Tecla SAP, direcionado para o público geral com dicas sobre erros comuns em inglês e curiosidades sobre essa língua. O que começou com uma newsletter entre familiares e amigos hoje é um blog com 7 mil visitantes únicos por dia, o que traz grande visibilidade para Ulisses online. “O blog tem tráfego e a rede social me ajuda a gerar ainda mais tráfego para o blog. E por causa disso, quando um cliente em potencial digita ‘tradução simultânea’ em um mecanismo de busca eu sempre estou entre os primeiros resultados”, explica.

Captação de clientes online

As ferramentas de busca que auxiliam Ulisses não são a única maneira de contratar os serviços de um tradutor. Val Ivonica, online em diversas plataformas, é encontrada por clientes das mais diferentes maneiras além do seu blog, e dá a dica para quem quer ser visto na rede. Ela é associada à American Translators Association (ATA), por isso faz parte de um diretório da organização disponível para clientes de todo o mundo. Ela também mantém um perfil sempre atualizado nos sites ProZ e Translators Café, espécies de redes sociais profissionais para tradutores [leia mais no Box da página XX]. Outra sugestão, segundo ela com o mesmo peso das outras, é estar nas redes sociais. “Parece que não, mas participar de redes sociais, seja Orkut, Facebook ou Twitter é uma excelente fonte de clientes. Muitas vezes isso acontece por indicação, porque às vezes há colegas que precisam traduzir um material que não é da área deles e repassam isso pelas redes”, diz.

Kelli Semolini, parceira profissional de Danilo Nogueira no blog Tradutor Profissional, conta que não tem nenhum cliente que não tenha sido captado por rede social. “Ou o cliente entra em contato comigo porque me viu em uma rede social ou alguém que está na minha rede social me indica um cliente”, descreve. A prova da eficácia dessa estratégia é que Kelli e Danilo, que não apenas se tornaram amigos e coautores do blog, mas dividem serviços de tradução, se conheceram por meio da comunidade Tradutores/Intérpretes BR, do Orkut.

Essa comunidade, que tem entre seus moderadores Val Ivonica, conta com cerca de 9 mil membros, no entanto é relativamente restrita para preservar o nível profissional do grupo de tradutores. “Apesar da comunidade estar mais morna hoje por causa da popularidade do Facebook, a quantidade de informações que está registrada lá no fórum é possivelmente maior e mais útil do que existe em muitos cursos universitários. São colegas conceituados, reconhecidos em cada área de tradução”, explica.

Troca de informações e experiência

Tamanha exposição na web 2.0 rendeu a Val não apenas seus clientes, mas dois convites para ministrar workshops para tradutores em conferências nacionais e internacionais, um em Córdoba (Argentina) e outra em Porto Alegre (RS).
Um blog de tradução pode servir também para, ao falar sobre um assunto da profissão, reunir, organizar e abrir um debate com os colegas, criando maior união e troca de informações na classe. É o que aconteceu com a tradutora Denise Bottmann, também historiadora e ex-docente da Unicamp. Ao tomar conhecimento, através de uma reportagem e de um grupo virtual de tradutores, que duas editoras estavam reproduzindo traduções alheias sem atribuir os devidos créditos (o que dirá remunerar os tradutores), a indignação a levou a criar o blog Não Gosto de Plágio, que há quatro anos vem reunindo denúncias sobre traduções fraudulentas. Ao ser questionada sobre a grande repercussão que seu trabalho ganhou na rede, Denise responde: “Achei a coisa mais natural do mundo que endossassem, claro: era algo tão flagrante e disparatado! O que me pegaria de surpresa seria o silêncio ou a indiferença. Olhando retrospectivamente, entendo que foi apenas por causa dessa ressonância e desse apoio todo que continuei e continuo até hoje a combater os saques ao nosso patrimônio lítero-tradutório”.

Manter-se ativo nas redes e com contatos na área é também especialmente valioso para indicações, como repasses de serviço. “A maioria dos tradutores tem pavor de rejeitar serviço. Então, você aceita o que aparecer e procura alguém que ajude a fazer. Às vezes, a oferta é pública: ‘tenho 10.000 palavras de Geologia para sexta-feira, algum interessado?’, mas no mais das vezes é particular: as pessoas se conhecem, criam algum laço de confiança e amizade e, daí, o indicar algum cliente ou repassar algum serviço é um passo. Aliás, é um processo bem mais seguro”, observa Danilo Nogueira.

Além de repassar serviços, as comunidades online são importantes para a troca de experiências entre tradutores. Bianca Bold afirma que é essencial poder contar com esses contatos na “hora do aperto”. Assim como ela ajuda os colegas com dúvidas de português e inglês, trechos de filmes em inglês sem roteiro, auxílio para acabar um serviço perto do prazo, também não hesita em chamar os colegas online quando precisa. “Já encontrei parcerias incríveis, e outros colegas me tiraram do sufoco quando eu não encontrava termos específicos ou não entendia trechos do áudio de filmes argentinos sem roteiro. Enfim, a troca de experiência é riquíssima. Quem eu vou recomendar quando um cliente precisar de uma tradução que não posso fazer? Aqueles que estão sempre dispostos a me ajudar”, diz.

Mas atenção, quem quer ingressar nesse mundo precisa começar aos poucos. Ao dizer que a Tradutores/Intérpretes BR, apesar de ter 9 mil membros, é restrita, significa que o grupo de tradutores – não apenas dessa comunidade, mas na web em geral – tem uma série de códigos de conduta implícitos e que basta um erro de um novato desavisado para que ele possivelmente caia em desgraça entre os colegas. Kelli, membro há alguns anos da Tradutores/Intérpretes BR, observa que quem entra em um grupo como esse precisa antes ler as mensagens, a descrição e entender a dinâmica. “Precisa ver como os membros interagem para não dar fora, porque o pessoal não perdoa. Se você chegar muito perdido ou se achando, vai levar patada”, alerta. Ela explica que como não existe ambiente de trabalho para os tradutores independentes, essas comunidades são como extensão de suas casas, que são seu local de trabalho. “Esse é nosso momento do cafezinho, de conversar, trocar experiência, pedir ajuda. Quando alguém vai na sua casa pela primeira vez você não espera que a pessoa já chegue e ponha o pé na mesa.” O que funciona, segundo ela, é responder às questões dos colegas, ajudar um e outro, ou, ao ter uma dúvida e demonstrar que não encontrou a solução mesmo tendo se esforçado, pode perguntar. “O importante é demonstrar que está empenhado, aí ninguém se recusa a ajudar. Mas tem gente que pede ajuda a cada cinco minutos, aí também não dá, porque se você não entende, o que está fazendo traduzindo?”


Viagem à Itália

“No ano passado, um casal italiano me encontrou através do Google. Eles estavam vindo a Toronto e precisavam de intérprete italiano-inglês para uma série de consultas veterinárias e uma possível operação na cachorrinha deles. Trabalhei para eles uma semana inteira, e só isso pagou por sei lá quantos anos de hospedagem e domínio do site. Eu perguntei como eles me acharam. O marido disse que digitou as palavras ‘intérprete italiano a toronto’, e eu era ‘a única’ (repetindo as palavras dele). Fiquei intrigada e digitei no Google.it para entender o que ele quis dizer. Há cerca de 128 mil resultados, e estou na 3ª página da lista. Antes de mim, há uma agência, um profissional com um perfil no LinkedIn e outro no ProZ. Considerando que ele estava buscando um intérprete num sábado para começar o trabalho na segunda, ele deve ter excluído a possibilidade de contratar uma agência no fim de semana. Acredito também que o meu website personalizado tenha passado mais segurança ao cliente do que somente perfis no LinkedIn e ProZ. No entanto, ele só me encontrou porque o meu site estava disponível também em italiano.” Bianca Bold, tradutora, intérprete e revisora.


Clube dos tradutores

Redes sociais como o Facebook, o Orkut e o Twitter conectam os tradutores assim como o fazem com todos os membros. Para quem procura um espaço mais focado em tradução, existem redes sociais específicas para tradutores, como o ProZ e o Translators Café, plataformas nas quais tradutores de todo o mundo podem criar seu perfil detalhado com especialidades, currículo, tipos de serviço prestados e até mesmo tarifas, além de contarem com um fórum de discussão interno e participarem de seminários e cursos regulares sobre a profissão. “Essa movimentação é interessante porque promove tanto o crescimento profissional quanto as oportunidades de networking”, afirma a tradutora Bianca Bold. O principal motivo pelo qual tradutores buscam essas ferramentas, no entanto, é pela possibilidade de anunciar seus serviços para clientes e também de serem procurados para trabalhos. Mas Bianca aponta para uma controvérsia gerada no meio por esse tipo de rede, a lógica do “leilão reverso”, ou de quem cobra menos, desvalorizando os profissionais. “Há quem diga que consegue ótimos clientes, há quem diga que essas redes são uma perda de tempo. Mas uma coisa que me incomoda é o fato de muitas agências de tradução chegarem nesses ambientes dando o seu preço ou buscando os tradutores mais baratos. Eu não chego num salão de beleza e digo que só vou pagar R$ 5,00 pelo corte de cabelo. Nem chego perguntando quem cobra menos para decidir quem vai cortar meu cabelo”, opina.


Dicas dos tradutores para criar um blog de tradução

  • Na hora de escolher o tema, pense em algo que não apenas desperte o seu interesse, para que você não fique logo desestimulado a postar, mas também em um assunto sobre o qual você conhece bem
  • Não anuncie constantemente seus serviços, pois é percebido pelos colegas como desespero e possível falta de preparo para o serviço
  • Avaliar qual é sua disponibilidade e definir uma regularidade para postar, para não passar a impressão de descuido ou abandono
  • Cuidar do visual do blog para passar uma impressão de profissionalismo e consistência
  • Quantidade não é qualidade: vale mais postar menos sobre temas relevantes para os colegas do que escrever diversas vezes por dia sobre questões de menor interesse
  • Criar o blog em todas as versões das línguas que você traduz e/ou interpreta
  • Conectar o conteúdo do blog ao Twitter e Facebook, chamando os colegas para ler o novo post

Dicas de Danilo Nogueira sobre postura profissional na web 2.0

  • Comporte-se como profissional, para ser tratado como um profissional. Seus clientes reais e potenciais estão vendo.
  • Não chore as mágoas, não diga que está mal de vida, não peça serviço.
  • Participe das discussões. Ajude quando puder e mostre sua competência mesmo nas perguntas.
  • Não conte vantagem: sempre tem alguém que sabe mais que você.
  • Participe de todos os grupos de tradutores que puder: a melhor fonte de serviço que existe são os colegas.