Como a secretaria de educação de Teresina (PI) criou um grupo de assistência social para melhorar o aprendizado dos alunos da rede municipal

Em 2008, a assistente social Marlene Nascimento foi chamada pela direção de uma escola pública municipal de Teresina, capital do Piauí, para conhecer a situação de abandono de uma criança. “Ela passava o dia todo na rua, se alimentava apenas na escola ou quando os vizinhos lhe davam algo para comer. Morava em um quarto com as paredes pela metade, sem conforto algum. Era um ambiente extremamente sujo, com roupas jogadas em cima de uma cama velha”, relembra. “Ela morava apenas com o pai, que passava o dia na rua e tudo o que ganhava através de bicos, porque não tinha renda fixa, gastava com bebida. Inclusive o auxílio do Bolsa-família.” Diante do problema, Madalena levou ao local um conselheiro tutelar e, juntos, levaram a criança para um abrigo e encaminharam a situação para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região.

A história dessa família, em princípio, pode ser identificada como um trabalho para a Secretaria de Assistência Social local. Mas quem levou Madalena até aquela casa foi a escola na qual a criança estava matriculada. Madalena é uma das seis assistentes sociais que integram a Gerência de Assistência ao Educando, um grupo de apoio interdisciplinar criado pela Secretaria de Educação municipal para trabalhar, junto às famílias, questões que afetam o aprendizado dos alunos, desde alimentação até maus-tratos.

Muitos casos são relacionados a abusos, como o citado por Madalena, mas a maioria está ligada a questões de evasão, infrequência e dificuldades de aprendizado que, relatadas pelas escolas, têm raízes na família e na vida pessoal da criança. Depois da aproximação e comunicação com os pais, parentes e alunos, se a Gerência não tiver resolvido a dificuldade do estudante o caso é encaminhado para o Conselho Tutelar e até mesmo o Ministério Público. Um dos objetivos, de acordo com Washington Bonfim, secretário municipal de Educação de Teresina, é agir na origem dos problemas antes que seja tarde demais. “Dou um exemplo: atestamos que no primeiro ano do ensino fundamental havia um nível de infrequência maior do que desejável. Fizemos reuniões com o Conselho Tutelar e o Ministério Público e chamamos os pais para convencê-los a fazer sua obrigação, a de mandar as crianças para a escola. Tentamos resolver o problema antes que aconteça a evasão escolar”, explica.

Segundo o secretário, a função da Gerência está ligada ao fato de que muitas vezes o mau desempenho de um aluno não está relacionado a uma incapacidade de aprender, mas a uma questão social, como a desestruturação familiar, a violência doméstica, um pai alcoólatra. “Precisamos ter essa sensibilidade. Um órgão dentro da secretaria como a Gerência absorve essa demanda, que é pedagógica, mas gerada por uma questão social. A partir disso o objetivo do grupo é articular soluções com outros órgãos do governo”, afirma. Madalena Leal, coordenadora da Gerência, complementa: “Observou-se que os resultados do processo de aprendizado do aluno, bem como sua frequência escolar, estavam estritamente associados à sua história de vida, necessitando, portanto de intervenções que envolvessem técnicos de outras áreas ou encaminhamentos outros que nem sempre a escola tinha o tempo ou conhecimento necessário para enfrentamento da situação.”

O órgão exerce uma função de ponte, acabando com o isolamento entre a escola, as famílias e a comunidade, mas também conectando parceiros públicos que agem muitas vezes sozinhos, como a área da saúde, educação e assistência social, explica Sandra Caetano, assistente social da Gerência de 2006 até fevereiro deste ano. “Precisamos quebrar alguns tabus e trabalhar de modo sistemático a correlação de forças presentes no dia-a-dia do nosso trabalho, pois ainda existem diretores que se apropriam e se consideram donos das escolas e pais que se acham no direito de abandonar seus filhos e delegar suas responsabilidades a terceiros”, argumenta.

Maria de Salete Silva, coordenadora do Programa de Educação do Unicef Brasil, identifica o mesmo problema citado por Sandra. Ela defende que, quando desafiada com a situação de um aluno com problemas em casa que afetam seu aprendizado, a escola deve receber orientações para saber onde seu trabalho começa, onde termina e com que parceiros pode contar nesse processo. “A escola oscila entre dois pólos: ou acha que tem que resolver tudo sozinha, aí conversamos com a diretora e ela diz que faz tudo; o papel de juíza, delegada etc., fazendo o papel de outras instâncias. Ou, em outro pólo, diz que não pode fazer nada”, observa.

Apesar de não ter resultados quantitativos para avaliar sua eficiência, a Gerência de Assistência do Educando de Teresina foi citada no relatório do Unicef “Redes de aprendizagem: boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender” como “uma das mais inovadoras conquistas do sistema de ensino” do município. Salete, do Unicef, afirma que a iniciativa da Secretaria de Educação capital piauiense é importante porque integra a escola ao sistema de garantia de direitos das crianças, algo que infelizmente poucas redes fazem no País. “A Gerência não substitui, mas trabalha junto aos conselhos tutelares em questões que extrapolam o tempo que o aluno passa na escola, mas que mesmo assim afetam muito na sua aprendizagem. Ela faz algo que parece simples, mas não é: integrar a escola a programas e organizações fora de seus muros”, aponta. “Com 20 anos de ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], um dos nossos maiores desafios no Brasil ainda é fazer com que a escola faça parte do sistema de direitos.”

Como identificar os alunos com dificuldades em casa?

Para garantir os direitos desses jovens estudantes, no entanto, o caminho entre observar o desempenho anormal de um aluno, relacioná-lo a uma questão social e se aproximar da família para resolver a questão pode ser longo e nem sempre fácil. “Identificar o aluno que precisa de ajuda não acontece no ambiente da casa, mas da escola. Ela percebe a situação de vulnerabilidade e a encaminha para a Gerência de Assistência ao Educando”, explica a assistente social Marlene. “Conforme a situação, fazemos a intervenção de mediação entre a escola e a rede de proteção social. Por exemplo, se o caso for de maus-tratos, a situação da criança é encaminhada para o Conselho Tutelar e acompanhamos o seu desfecho.”

A colega Sandra completa que, por estar em contato direto com as crianças todos os dias, o professor é a pessoa mais apta a reparar as alterações de aprendizado e comportamento de um aluno que podem estar relacionadas a um problema em casa. “Daí a importância deste profissional ser capacitado e sensibilizado em relação à criança e ao adolescente, de modo a compreender suas mudanças de comportamento. Uma vez identificado qualquer aspecto considerado anormal, esse profissional tem a responsabilidade de falar com a família, com a direção da escola e com as instituições necessárias.” Na aproximação com o aluno, Sandra alerta que o professor deve ter cuidado para não dialogar de maneira repreensiva, autoritária ou coagindo o aluno, caso contrário a criança pode se fechar ainda mais.

O mesmo vale para as famílias. Mas Sandra afirma que, na maioria das vezes, a recepção é positiva e tranquila. “Há um respeito e uma expectativa de que o Serviço Social resolva todos os seus problemas”, avalia. “Entretanto, também existem aquelas situações de risco, principalmente quando lidamos com usuários de drogas. Em ambos os casos, trabalhamos a questão dos direitos da criança, sempre enfatizando que o bem do aluno que é nosso maior objetivo. Deixamos claro que o que queremos é garantir o acesso, a permanência e o sucesso dele na educação.”

Marlene concorda com a colega, mas observa que, muitas vezes, a família dificulta o trabalho das assistentes. Ela afirma, no entanto, que frequentemente apenas a presença da Gerência na casa da família assusta os responsáveis pelo aluno e a situação é regularizada. “Muitos dizem que não querem problemas para si, então só com a visita já passam a cumprir sua obrigação de levar a criança à escola. Mas outras vezes precisamos da ajuda do Ministério Público”, conta.

A partir do primeiro contato, as assistentes sociais da Gerência de Assistência ao Educando fazem uma visita domiciliar para conhecer o contexto da vida da criança. “Investigamos os tipos de benefícios que a família recebe e as causas que estão provocando a situação”, descreve Marlene. Se, depois do diálogo com os responsáveis, o problema não for resolvido, a Gerência encaminha o caso para o Conselho Tutelar e, em casos mais graves ou reincidentes, para órgãos de proteção como o Juizado da Infância e da Adolescência, que podem levar a família à perda da guarda da criança. As assistentes garantem que na maioria dos casos, porém, os alunos voltam a ter uma vida normal na escola e retomam o ritmo de aprendizado.


Baixo custo, grande abrangência

A estrutura e manutenção de um órgão auxiliar como a Gerência de Assistência ao Educando é simples e enxuta, conforme explica o secretário de Educação municipal de Teresina. Como o grupo hoje também cuida, além de questões comunitárias, de problemas com transporte e merenda, sua equipe é formada por seis assistentes sociais e cinco nutricionistas, além de pedagogos e estagiários. É bastante trabalho para poucas pessoas, levando em conta que são cerca de 300 escolas da rede pública municipal. Por isso, em 2001 foi criado um número 0800 (chamada gratuita) para denúncias de crianças que não frequentavam a escola. Hoje, com a diminuição de casos do tipo, a linha serve também para reclamações em relação à merenda e ao transporte escolar, ou demandas em relação a matrículas.

Os recursos necessários para o funcionamento da Gerência são poucos, mas ainda assim dependem do tesouro municipal, pois o órgão não pode ser financiado pela verba do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), sendo relacionado à assistência social e não diretamente à educação. “O gasto é basicamente com a manutenção dos profissionais, porque o espaço físico é dentro da própria Secretaria de Educação”, afirma Bonfim.



A recuperação escolar de um aluno com dificuldades sociais em Teresina

  • Criação de um órgão auxiliar dentro da secretaria que possa cuidar de questões não especificamente pedagógicas, mas que afetam no desempenho dos alunos (problemas em casa, alimentação, transporte etc.).
  • Formação de uma equipe de pedagogos, assistentes sociais e nutricionistas. Os profissionais devem ser bons articuladores e ter conhecimento dos instrumentais legais e da política de proteção à criança.
  • A escola deve identificar mudanças de comportamento e/ou aprendizado do aluno e entrar em contato com a família e o órgão (no caso de Teresina, a Gerência de Assistência ao Educando).
  • Assistentes sociais da Gerência visitam a casa e conhecem a situação e contexto familiar do aluno com dificuldades. Dialogam com os responsáveis para tentar solucionar o problema, sempre fazendo a ponte com a escola.
  • Caso a situação não seja resolvida, cabe à Gerência encaminhar o caso para o órgão competente, seja o Conselho Tutelar, o Ministério Público ou outro grupo de assistência.