advogada corporativa especializada em anticorrupção, sócia da Koury Lopes Advogados (KLA)
Uma grande empresa parece, para quem observa de fora, inabalável. Até que algo pequeno, como um funcionário que se zanga contra os chefes e denuncia um esquema de pagamento de propina, pode acarretar em um escândalo de corrupção de proporções globais – e consequências devastadoras para a imagem e lucros da companhia. O caso é verídico, mas não é único. Uma gerente de uma grande empresa multinacional (com filial no Brasil) ficou contrariada com a forma como foi demitida e decidiu denunciar à matriz nos Estados Unidos todas as falcatruas corporativas de que tinha conhecimento. Ela acreditou estar sendo ignorada pela sede norte-americana, mas todos os seus e-mails foram parar no departamento de compliance, um setor corporativo que monitora a ética e o bom comportamento dos empregados. Ao constatar que parte da empresa poderia estar envolvida em um esquema de corrupção, a matriz entrou em contato com a advogada Isabel Franco, referência no Brasil e nos Estados Unidos e praticamente unanimidade local em investigações anticorrupção. “Muitas vezes quando a matriz tem que fazer uma investigação numa empresa no Brasil, meu nome surge como referência”, diz.
Mas por que Isabel? Sua história de vida e de carreira responde à pergunta. A advogada de 54 anos, que iniciou a vida profissional como bilíngue em uma época em que ninguém valorizava aprender uma segunda língua, foi a primeira mulher a fazer parte da NYSBA (New York State Bar Association), a ordem de advogados do estado de Nova York, e liderou a instalação do primeiro escritório de advogados brasileiro na cidade norte-americana, o Demarest & Almeida. Depois de 14 anos morando em uma das cidades mais importantes do mundo, a questão da corrupção corporativa estava “pegando fogo”, como ela mesma descreve, e isso a atraiu para se especializar em mecanismos legais de anticorrupção: investigar e sanar empresas envolvidas com o pagamento de propinas a funcionários públicos.
Nos Estados Unidos, a questão era regulamentada pelo FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), uma lei de 1977 que estabelecia a punição para empresas privadas nacionais cujas filiais fora do país cometessem algum ato de corrupção. Preocupados em perder competitividade – já que eles estavam proibidos de corromper, mas seus concorrentes em outros países não –, os empresários norte-americanos formaram um lobby no Congresso que levou a lei para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), organização internacional que propôs a uma série de países que levassem a mesma lei para seus códigos penais nacionais. Entre as nações que ratificaram o acordo estava o Brasil, em 2002.
Pouco tempo depois, Isabel voltou para sua terra natal e, por meio da sua rede de contatos e experiência no estrangeiro, passou a usar o FCPA para investigar empresas brasileiras ligadas (ou com a intenção de se ligar) a matrizes americanas, oferecer treinamentos anticorrupção a funcionários, escrever códigos de conduta e de ética corporativa, prestar consultoria para empresas (esclarecendo no dia a dia o que configura corrupção ou não), construir programas de compliance, criar mecanismos que dificultam a corrupção, sanar problemas de suborno. Sua lista de clientes nessa área é extensa e composta por peixes grandes cujos nomes Isabel não pode citar. “Corrupção é como psiquiatra de louco. Eu quero falar que você é meu cliente, mas você não vai falar que é meu paciente”, brinca.
Na parte de investigação das empresas, Isabel trabalha com dez pessoas de sua equipe vasculhando detalhes da rotina corporativa para identificar desvios de conduta. Eles fazem entrevistas, leem e-mails, pesquisam documentos. “De vez em quando ficamos meio preocupados, porque entramos em assuntos perigosos. Mas deixamos muito claro para as empresas que se quiserem matar um de nós, têm que matar todos, porque somos um time”, afirma, com surpreendente tranquilidade.
Apesar da parte de investigação elevar os níveis de adrenalina e emoção da equipe de Isabel, sua parte preferida do trabalho não é remediar, mas prevenir, ou seja, oferecer treinamentos anticorrupção. “Ao dar treinamentos, ao participar com as pessoas na elaboração de códigos de ética e práticas salutares, é extremamente gratificante sentir que estou realmente fazendo uma contribuição útil e benéfica à comunidade ou à sociedade em geral”, orgulha-se. “Isso porque fica claro que muitas pessoas, apesar de ter um senso desenvolvido sobre o que é corrupção, não se conscientizaram de sua responsabilidade pessoal e individual de serem guardiãs da ética, dos bons valores, dos bons princípios. Em outras palavras, muitas vezes elas têm a atitude típica do brasileiro de que isso não é de responsabilidade delas, mas sim do governo, das escolas, ou de quem quer que seja.”
Isabel constata que apesar da dificuldade em lidar com “o jeitinho brasileiro”, o nível de consciência dos funcionários tem aumentado nos últimos cinco anos. Mas ainda assim a lei de corrupção tem facetas que fazem com que corporações precisem de orientação constantemente para assegurar a legalidade de suas ações. “Agora com copa do mundo, por exemplo, as empresas querem mandar deputados para a África do Sul. Na cabeça deles é hospitalidade, mas se fizerem isso e depois ganharem uma licitação, isso é suborno”, explica a advogada, que já impediu a compra de empresas nacionais por americanas por constatar um alto nível de corrupção nas brasileiras investigadas. A fusão pode até ocorrer, mas antes Isabel e sua equipe se encarregam de fazer uma “faxina” para limpar toda a falcatrua corporativa. Isabel é, inclusive, a única responsável no Brasil por monitorar e documentar a aplicação da lei do FCPA como representante da organização Transparency International, que luta contra a corrupção no mundo inteiro.
Mas o trabalho dessa advogada corporativa não se resume apenas à anticorrupção. Ela também faz o intermédio legal em fusões e aquisições de empresas e acompanha operações diárias de seus clientes, entre eles as gigantes de comunicação Thomson Reuters e FOX, e a francesa Dassault (que se tornou famosa no Brasil por vender, no início de 2010, 36 caças para a Força Aérea Brasileira). Isabel faz questão de esclarecer que esses clientes não estão em absoluto relacionados às investigações anticorrupção.
Além da atuação como sócia na KLA Law (Koury Lopes Advogados), Isabel é membro integrante da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. Foi também Relatora do Tribunal de Ética da OAB-SP até 2009, fez parte do conselho administrativo da Câmara Americana de Comércio em São Paulo de 2003 a 2007, foi conselheira da Brazilian-American Chamber of Commerce em Nova York de 1997 a 2002, presidente da Divisão de Direito Comparado na American Bar Association (a associação dos advogados americana), presidente da Seção de Direito Internacional da New York State Bar Association (a associação dos advogados do estado de Nova York) e, na IBA (International Bar Association), foi vice-presidente da Comissão de Anticorrupção Empresarial até 2010.
A dedicação de Isabel, no entanto, não é exclusiva do mundo corporativo e do Direito Internacional. Ela conta que divide suas atividades em profissionais, pessoais e pro bono, embora misture todas elas no seu dia a dia, convidando um cliente para jogar squash, ou levando amigos a investir na entidade carente com a qual colabora. A instituição em questão é a Casa do Amparo, um abrigo para menores abandonados do qual, além de contribuir financeiramente, Isabel visita, elaborou o estatuto, organiza eventos, traz doadores e faz parte do conselho. Sua maior contribuição, no entanto, é ter “adotado” três crianças do abrigo, duas meninas e um menino, irmão inseparável de uma delas, para passear, viajar e passar os finais de semana juntos (eles não moram em sua casa). Além desses, ela tem duas filhas que chama de adotivas, embora “elas é que tenham me adotado”, corrige. Uma é uma afilhada de 23 anos que deixou os pais para viver com ela nos Estados Unidos (e depois no Brasil) e outra é uma americana de 31 anos, filha de brasileiros, que sempre viu Isabel como mentora e hoje a considera uma mãe.
Essa sempre foi a intenção da advogada, tanto com as duas “filhas postiças” quanto com as duas meninas da Casa do Amparo: ser um modelo e uma orientadora para meninas. “Minha mãe morreu quando eu era muito pequena, e era aquela mãe toda-poderosa, minha ‘ídola’. Além disso, tive o privilégio de ter tido boas pessoas que me deram a mão e me orientaram, todas mulheres. Então minha forma de devolver isso para o universo feminino é sendo uma orientadora para meninas. Tenho essa coisa com a menina porque todo mundo sempre é a favor dos meninos, das meninas não”, justifica.
Isabel encontra carinho para os cinco filhos em meio a uma rotina acelerada. Todos os dias de manhã faz ginástica nas instalações do prédio onde mora. De segundas e quartas, pratica squash. “Eu ligo para avisar que eu vou jogar às 22h, 23h!”, conta. Também estuda francês com um professor particular. Durante a semana, está sempre envolvida atividades profissionais fora do escritório ou em reuniões e conference calls com clientes, se não viaja para algum evento fora do país. Reveza na mão dois celulares, um dele com seus e-mails abertos. Mas na sexta-feira, tudo para. Isabel leva amigos e família, assim como as crianças da Casa do Amparo, para sua casa em Campos do Jordão.
Viajar, aliás, é uma de suas grandes paixões, junto com decoração, jogar cartas, tênis e estudar história. No dia a dia corrido, porém, Isabel não encontrava, durante boa parte de sua vida, tempo e organização para se dedicar a hobbies e sair para se divertir. “É claro para mim que o problema das pessoas não é necessariamente a falta de tempo e sim a organização desse tempo”, afirma. “A maior dificuldade na minha carreira sempre foi coordenar as vidas pessoal e profissional. A vida profissional toma muito tempo, então aprendi que temos que fazer tudo junto. Se eu quero ir para Paris, por exemplo, invento um curso para fazer lá e ainda visito clientes”, afirma. Tendo isso em mente, a solução que Isabel foi reunir, ainda em Nova York, amigos e colegas de trabalho para criar o Get a Life Program (traduzido para o português seria algo próximo de “Programa Viva Sua Vida”), um grupo que organizava, via internet, atividades para todos. Juntos iam a concertos musicais, jogavam tênis em duplas, dançavam, jogavam cartas, entre diversas outras ações. “Por exemplo, eu amo história. Então contratávamos um professor para dar palestras sobre um tema que a gente queria. O Get a Life Program ouvia o que as pessoas queriam e realizava”, explica Isabel.
Uma variante desse programa também foi organizada pela advogada em Hong Kong, Nova York e agora em São Paulo. É uma reunião de mulheres de carreira com o foco em metas e prazos. “Nas reuniões discutimos muito objetivamente as metas e como podemos alcançá-las, e cada uma traz uma ideia diferente”, conta. Ela enfatiza, no entanto, que não há espaço para terapia de grupo. A ideia é ouvir os objetivos de vida de cada uma e oferecer soluções práticas para o resultado. Isabel também articulou, dentro da NYSBA, um grupo de networking de mulheres em Nova York praticantes do Direito Internacional. “Sempre acreditei que as mulheres têm que aprender com os homens a fazer mais networking. O grupo se encontra, indica outras mulheres no Direito Internacional, proporciona ‘mentorado’ a jovens mulheres na profissão, faz palestras em universidades etc.”, descreve.
Essa capacidade de articulação dentro e fora do ambiente de trabalho é uma das características que destaca Isabel em sua profissão e também enquanto executiva. Uma das pessoas que conviveu com a advogada e admira essa qualidade é o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima. “A Isabel é uma pessoa muito especial e respeitada. Em Nova York, onde a conheci, ela ajudava muito os brasileiros. Muitas vezes pedi a opinião dela informalmente sobre diversos assuntos, como para ajudar brasileiros, e ela nunca faltou comigo. Por isso tenho muita admiração por ela – é uma pessoa excepcional”, elogia. Sueli Bonaparte, que acaba de se aposentar como diretora executiva da Brazilian-American Chamber of Commerce em Nova York, complementa: “A Isabel foi uma associada da nossa organização que sempre se sobressaiu dentro de uma multidão de renomados e respeitados profissionais e executivos. Ela é uma visionária e guerreira com cimentados valores éticos e profissionais”, afirma. “Neste momento, ela tem trabalhado muito intensamente no combate à corrupção empresarial. Um tópico muito importante para os investidores estrangeiros que têm interesse em investir em vários projetos no Brasil nesta década de muitas oportunidades de negócios para os empresários internacionais. Além do trabalho desenvolvido no mundo de negócios, a Isabel é uma profissional que batalha para que as mulheres ganhem mais espaço no mercado de trabalho.”
Isabel chegou a esse patamar por conta de muito estudo e dedicação, sim, mas também por ter tido uma base familiar que sempre valorizou a construção de uma carreira para as três filhas mulheres. “Meus pais eram feministas. Minha mãe era química formada pela USP em uma época em que nenhuma mulher colocava o pé na universidade”, conta a advogada. Nascida em 31 de outubro de 1955, Isabel recebeu uma educação de estrangeira, já que sua avó materna era austríaca e a mãe mantinha a cultura europeia. “Minha mãe sempre fez questão que eu e minhas irmãs falássemos outras línguas”, relembra.
Mais no futuro, depois de se formar pela Faculdade de Direito São Francisco da USP, em 1978, e ser contratada em 81 pela firma Demarest & Almeida, de onde só saiu recentemente, seu destino se uniu novamente ao “estrangeiro”. Isabel casou-se com um americano e pediu licença do escritório para morar com o marido, executivo do Citibank, em Hong Kong. Lá trabalhava durante o dia em um escritório de advocacia inglês e, à noite e nos finais de semana, se dedicava a sua loja de decoração, Tate Interiors. Depois de quatro anos, foi convidada pelo escritório no Brasil, Demarest & Almeida, para abrir uma filial em Nova York. Não hesitou. Lá, cursou o Programa de Formação para Advogados da Harvard Law School em 1992 e completou seu mestrado na Fordham University, em 1996. Isabel se divorciou e chegou a casar-se mais uma vez, mas não deu certo por conta de sua vida profissional. “Sempre fui uma mulher de carreira, criada por dois feministas, e minha mãe era uma mulher de sucesso. Aquela [em Nova York] era minha segunda chance [depois de ir para Hong Kong e interromper a carreira no Demarest] e eu não queria ceder”, conta.