Vice-presidente de assuntos corporativos e sustentabilidade do Wal-Mart

Quando Daniela de Fiori começou a falar sobre seu trabalho com sustentabilidade no ramo brasileiro da rede varejista Wal-Mart durante uma reunião de conselho, a atenção dos diretores norte-americanos de uma das maiores empresas do mundo foi completamente cativada. “Por que não fazemos isso no mundo inteiro?”, perguntavam, encantados. A admiração não foi à toa. O trabalho na área de sustentabilidade do Wal-Mart Brasil, chefiado por Daniela, tem sido reconhecido em diversas frentes e rendeu à rede o prêmio de Empresa Sustentável do Ano em 2009, concedido pela Revista Exame.

Os projetos da rede saíram do espectro exclusivamente corporativo e, com a mediação de Daniela, inspiraram políticas públicas, como a lei contra sacolas plásticas no Rio de Janeiro, e protagonizaram laços inéditos com o terceiro setor, a exemplo do boicote à carne de áreas de desmatamento da Amazônia. Mas quem é a mulher por trás desse movimento?

A profissional que conquistou o respeito de altos executivos, da imprensa, de políticos e de líderes ambientalistas é uma paulistana nascida em 4 de setembro de 1974 que se define, acima de tudo, como “uma otimista”. Seu perfil conciliador e determinado, unido à facilidade de comunicação e motivação de pessoas, é a chave do seu sucesso. “Eu corro o risco de me considerarem sonhadora e ingênua, mas acho fundamental acreditar no que fazemos. Normalmente passo muita credibilidade com meu trabalho justamente porque sigo esse lema”, explica Daniela, que sempre gostou muito de ler e de estudar.

Foi com esses ideais que a executiva vice-presidente de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade do Wal-Mart Brasil conquistou seu espaço dentro e fora da empresa. Quando foi convidada para integrar a equipe, em 2002, a rede só possuía 20 lojas no Brasil. Com um diploma em economia e uma pós em relações públicas, Daniela já tinha alguns anos de experiência trabalhando na área de comunicação da multinacional Cargill e foi para o setor de varejo como gerente de assuntos corporativos numa época em que responsabilidade social empresarial era um conceito ainda muito vago. Seu trabalho com esse foco começou à frente do Instituto Wal-Mart, com a criação de estações de lixo reciclável e o investimento em cooperativas de catadores para trabalhar em parceria com as lojas.

Em paralelo, crescia uma preocupação global do Wal-Mart de causar menos impactos negativos no meio ambiente e nas comunidades de sua cadeia produtiva. A rede começou o trabalho partindo de três princípios: deveria utilizar 100% de energias renováveis, reaproveitar todas as embalagens e produtos orgânicos, e comercializar mercadorias que contribuíssem para a renovação dos recursos naturais e para o bem-estar das comunidades locais. Foram estabelecidas então metas objetivas e de curto prazo para as franquias do mundo inteiro. No Brasil, sob a liderança de Daniela, foi feita uma parceria com o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente para a capacitação de funcionários da rede em todo o País. Durante o curso eram abordados temas como aquecimento global, mas focado na esfera pessoal, para mostrar que as ações do dia-a-dia de cada um impactavam o meio ambiente. Hoje, essa formação evoluiu para um treinamento em formato de programas de televisão. “Ao longo desses anos, boa parte da nossa missão era criar condições para suportar o crescimento da empresa, mas o que de fato deu mais prazer foi abraçar a questão de sustentabilidade”, revela.

O forte envolvimento dos funcionários, hoje 80 mil apenas no Brasil, levou a equipe de Daniela a propor os “PPS”, projetos pessoais de sustentabilidade. A ideia é incentivar os funcionários a adotarem práticas sustentáveis em suas rotinas e divulgar isso para os colegas. Logo de início, 80% dos colaboradores aderiram à proposta.

Desde 2007, quando a gerência de sustentabilidade do Wal-Mart Brasil foi de fato criada, a equipe de Daniela vem tocando diversos projetos dentro e fora da empresa. Desde o fim de 2008, as pequenas ações e alternativas encontradas por Daniela fizeram com que todos os novos hipermercados da rede sejam 25% mais eficientes no consumo de energia, emitam 30% menos gases de efeito estufa e consumam 40% menos de água. “São iniciativas extremamente simples, mas que somadas resultam em uma boa redução do consumo”, afirma.

O segredo da executiva é mirar alto, fazer parcerias, encontrar alternativas economicamente viáveis e, depois, multiplicá-las para toda a rede. Exemplo disso é seu programa de gerenciamento de embalagens, por meio do qual conseguiu que grandes empresas diminuíssem suas embalagens para consumir menos matéria-prima e criar menos resíduos. Cada fabricante deveria escolher um produto líder de categoria para participar. “Quando consigo que um parceiro de negócios entre em um projeto meu e melhore seu produto, como a Unilever fez com amaciante Confort, por exemplo, é muito importante, porque os concorrentes vão seguir”, analisa Daniela. “Se eu mudo um produto meu, sei que isso vai chegar nas lojas do Wal-Mart do Brasil e eventualmente lá fora. Mas se um grande produto muda, ele não está mudando para o Wal-Mart. Toda sua linha de produção muda e ele vai ser vendido não só pela gente, mas também no mercadinho da esquina, no concorrente, no mundo inteiro.”

Compartilhar conhecimento e abraçar projetos que trazem retorno não apenas para a sua empresa, mas contribuem para melhorias em sustentabilidade para todo o mercado, é essencial para Daniela. Por isso mesmo, a menina dos olhos da executiva é um projeto que não é de sua autoria, mas é o mais audacioso já pensado pelo Wal-Mart global: um índice de sustentabilidade de produtos. O objetivo é criar um selo para cada mercadoria que informe o consumidor sobre a procedência e impacto detalhado daquilo que ele está comprando. “Tenho uma máquina poderosíssima por trás dos projetos, e isso me traz uma satisfação pessoal imensa, porque sei que estou tentando melhorar produtos, mas o impacto disso vai muito além da minha operação”, entusiasma-se.

O envolvimento dessa executiva de 35 anos com a sustentabilidade dentro e além do seu negócio chamou a atenção de outros profissionais ligados à responsabilidade social. Ricardo Young, ex-presidente do Instituto Ethos e hoje candidato ao Senado pelo PV-SP, acredita que Daniela é uma das principais lideranças no Brasil no esforço das empresas em reduzirem seus impactos. “A Daniela se destaca como um exemplo de liderança do século 21 por ser uma executiva com visão sistêmica, estratégica e com habilidade de diálogo intersetorial”, afirma. “O entusiasmo e a firmeza convivem nela com o acolhimento e a alegria de quem é movida por valores maiores. Por isso, Daniela não só é um grande exemplo para as mulheres executivas, como para a nova geração de jovens líderes emergentes.”

A opinião de Young é reforçada pelo apoio de líderes da imprensa e do terceiro setor que, em geral, mantêm uma postura mais crítica e posição afastada em relação às empresas. Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace Brasil, trabalhou com Daniela para construir, junto a outras redes varejistas, um boicote aos produtos oriundos de zonas de desmatamento da Amazônia. “Ela sempre foi bastante transparente conosco, falava o que tinha condições de fazer sem falsas expectativas. Isso é um ponto importante porque, especialmente na relação do setor corporativo com as ONGs, nem sempre acontece. Acho interessante também o fato dela ter assumido o risco do pacto, porque geralmente os executivos estão prontos para assumir riscos apenas para aumentar os lucros, e não para proteger a Amazônia”, observa.

Leonardo Sakamoto, jornalista coordenador da ONG Repórter Brasil, admira o fato de que apesar do Wal-Mart ter um histórico de questionamentos trabalhistas ao redor do mundo, a rede no Brasil, sob a liderança de Daniela, só tem provado o contrário. “Ela é uma das mais importantes profissionais de Responsabilidade Social no Brasil, e quem me conhece sabe que eu não elogio ninguém de graça”, afirma. “O Wal-Mart com a Daniela à frente tem sido uma referência no combate ao trabalho escravo, o assunto com o qual tenho mais contato. Ela tem atuado na cadeia produtiva de forma dura e bastante humana para forçar, com o poder do varejo, o enquadramento para esse tipo de crime.”

No trabalho, Daniela é a pessoa que combate o trabalho escravo, investe em reciclagem, luta contra o desmatamento. Em casa, guardadas as devidas proporções, não é diferente. Ela orgulha-se de dirigir seu carro flex sempre com álcool, reaproveita água do chuveiro enquanto esquenta, recicla óleo e outros materiais, compra detergente concentrado e sabão em pó sem fosfato. “São pequenas coisas que vão virando manias, a gente incorpora e daqui a pouco vira natural”, diz.

A preocupação com a economia de recursos veio em parte do trabalho, mas também da família. Os avós de Daniela, que viveram as agruras da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra Mundial, sempre ensinaram aos filhos e netos a consumir menos e guardar para tempos difíceis. “Tem uma parte que é nossa base, aquilo que aprendemos em casa, nossos valores, e a outra parte é o que aprendemos nas atividades profissionais e vamos incorporando. Eu não sabia que o sabão em pó continha fosfato, que é super danoso para os mananciais. Quando aprendi no trabalho, parei de comprar desse tipo”, afirma a executiva.

Esse é um dos motivos que levam Daniela a afirmar que a única certeza que tem em relação ao futuro da sua carreira é que quer trabalhar com algo que traga benefícios para além da sua operação. “Acho que é extremamente rico e recompensador fazer alguma coisa que sabemos que é muito mais do que fazer um trabalho, vender um produto, contribuir para uma operação. É fazer algo que além de ajudar o seu negócio, traga um impacto bom para o meio ambiente e para a sociedade. Eu tive um filho há pouquíssimo tempo e é um tipo de preocupação que só tende a aumentar”, avalia.