Profissionais de diferentes áreas ensinam maneiras de se preparar para a improvisação, seja ela na sua vida pessoal ou profissional

“A palavra é ‘amor’. Você vai improvisar durante dois minutos”, diz a professora, e os dois homens adultos em um pequeno palco começam a discorrer nervosamente sobre o tema. A expressão corporal muda o estado de conforto. Agora eles estão tensos e, mesmo sem perceber, balançam de um lado para o outro, para frente e para trás, enquanto procuram incessantemente por palavras para o seu discurso. A cena faz parte de um curso de oratória do Clube da Fala, no Rio de Janeiro, em um dos diversos exercícios que os alunos fazem para desenvolver a habilidade de improvisar na retórica.

A sala vai enchendo progressivamente, e chega a vez de novos pupilos encararem o palco. Primeiro sobe um jovem tímido de 16 anos, que precisa passar em um exame de proficiência em alemão e teme não conseguir por causa da avaliação oral.

– Nós demos a tarefa para ele contar histórias na sala de aula e de começar conversas com estranhos no metrô –, conta a professora do curso, Laila Wajntraub, fonoaudióloga e especialista em oratória. Uma advogada aspirante à filósofa se junta ao garoto no palco, e descreve o medo de improvisação que a levou a buscar as aulas: “Meu coração dispara e me sinto como se tivesse subido uma escada de muitos degraus, fico ofegante.”

O improviso, seja ele no discurso, na escrita, na prática profissional, no cotidiano pessoal ou em manifestações artísticas, de fato personifica um bicho de sete cabeças para muitas pessoas. Paira no imaginário coletivo a imagem de um orador eloquente que possui as palavras certas sempre na ponta da língua, como se fosse detentor de um raro dom. A ideia de se comunicar com eficiência sem preparação prévia, repentinamente, é no entanto uma falácia. Especialistas mostram que, por trás da maioria dos improvisos de sucesso, existe um estudo, um planejamento e uma preparação que foram incorporados à bagagem de conhecimentos do interlocutor e que antecedem o momento da improvisação. É em busca disso que cada vez mais pessoas têm se inscrito em cursos de oratória, teatro e comunicação empresarial.

– Na vida nós improvisamos diariamente, por mais que programemos nosso dia. O improviso traz a possibilidade de conviver com o imprevisto com mais naturalidade, em vez de ficarmos bravos –, diz o palhaço e ator Márcio Ballas, diretor artístico do Clube do Humor, que oferece cursos de improvisação para amadores em São Paulo. – O curso ajuda as pessoas a serem mais disponíveis com o que acontece com elas e aprenderem a jogar com isso –, explica. Os alunos, em sua maioria, não são atores nem desejam ser, mas buscam desenvolver a habilidade e o jogo de cintura para improvisar nas suas vidas pessoais e profissionais.

Prática

Renato Raoni Affonso é uma dessas pessoas que buscaram um curso para desenvolver sua capacidade de improvisação, ofuscada pelo medo de se expor em público. No seu caso, a urgência de trabalhar essa faceta surgiu por conta da necessidade de defender sua dissertação de mestrado.

– No curso aprendi técnicas para falar com mais segurança. Por mais que você tenha uma fala decorada, não vai lembrar de tudo. Então é normal que tenha que improvisar –, afirma o aluno do Clube da Fala. A defesa de dissertação foi um sucesso, e Renato, agora mestre em Ciência e Tecnologia Nucleares pelo Instituto de Engenharia Nuclear, afirma que o improviso surgiu naturalmente em seu discurso porque ele já havia praticado muito.

Sandro Huguenin, sócio de Laila no Clube da Fala, comenta que essa habilidade de improviso desenvolvida por Renato está muito mais conectada à realidade do mercado de trabalho e das relações pessoais do que à ilusão de que tudo pode ser 100% previsto e preparado.

– Em uma reunião de trabalho, por exemplo, o profissional vai ser constantemente questionado sobre questões e assuntos com os quais não necessariamente contava, então precisa poder improvisar sua resposta em relação às mais diversas questões.

Lições da música

O compositor Sérgio Kafejian, professor de música na Faculdade Santa Marcelina e autointitulado “improvisador”, observa que existem lições que a música ensina sobre a improvisação e que as pessoas podem levar para suas vidas. Afinal, assim como no registro oral e escrito, o improviso na música tem a sua disposição uma série de sonoridades (no lugar de palavras) que precisam ser articuladas.

– Como tudo, você estuda o improviso com a prática. Na hora da improvisação, cada músico chega com um arsenal próprio que, quando entra em contato com do outro, cria coisas imprevistas com as quais eles precisam decidir na hora o que fazer –, observa. – Acho muito interessante na improvisação esse poder de decisão rápido. Você sempre precisa resolver algo naquele momento.

Medo de errar

E o que fazer no caso de um deslize ou um discurso desafinado? Incorporá-lo. Segundo Kafejian, esses pequenos erros na verdade não são erros, mas formas de potencializar a improvisação. O “destemperamento”, diz ele, faz parte da linguagem, e precisa ser absorvido e transformado de algo inesperado a esperado.

O palhaço Ballas trabalha com o erro como um dos princípios da improvisação. Segundo ele, quando alguém faz uma tentativa e isso dá errado, precisa ver o resultado daquilo e alterar a rota levando o deslize em consideração.

– O público adora quando a cena dá errado, vai ao delírio, porque quer ver essa capacidade de adaptação de quem está se apresentando.

Isso não é uma realidade apenas nos palcos e picadeiros. Ballas conta que muitos de seus alunos fazem o curso porque desejam se expressar e improvisar com naturalidade em público.

– Em uma palestra, por exemplo, se a pessoa erra, fica mal, pede desculpa, e aí fica tensa e o público, vendo ela tensa, fica tenso junto. A pessoa precisa brincar com aquilo, se auto-ridicularizar, porque então o público vira seu cúmplice naquele momento –, ensina o ator, que fará parte neste mês de maio do espetáculo Caledoscópio, no Tuca Arena (São Paulo), que visa a improvisação. Nos primeiros 10 minutos, o elenco colhe informações da plateia, e em seguida apresenta uma peça baseada nesses dados, feita exclusivamente sobre e para aquele público.

Imperfeição

O grande problema dos que querem aprender a improvisar, segundo a atriz, diretora, palhaça e psicóloga Joana Barbosa, é justamente aquele apontado por Ballas e Kafejian: não lidar bem com a imperfeição. Ela defende que a partir do momento em que se trabalha com algo indefinido, existe o risco de errar, e as pessoas “ficam muito vaidosas em relação ao erro”.

– Quanto mais a pessoa se desapega do acerto, mais consegue improvisar –, afirma Joana, que é também professora do curso O Clown Dentro de Mim, que atende em sua maioria pessoas que não são ligadas às artes cênicas. – Certa vez, um senhor de mais de 70 anos veio fazer o meu curso, e dei um tema de improvisação. Quando ele foi apresentar, vi que ele começou a andar de maneira diferente e achei estranho. No fim da cena, ele me mostrou que tinha cortado profundamente o seu pé durante a cena, ele mas improvisou tão bem que achamos que fazia parte do personagem.

No curso, Joana trabalha com a improvisação como princípio essencial do palhaço. Ela observa que esse é um personagem que vive de imprevistos, de resolver problemas que se apresentam na hora. E isso é uma habilidade da qual todos precisamos.


Bagagem

Um dos principais aspectos de um bom improvisador é contar com uma bagagem de conhecimentos e experiências anteriores dos quais pode lançar mão quando precisa. Assim, o que parece para muitos como um coelho tirado da cartola, é na verdade um acesso ao banco de dados mental.

– É importante ter um mínimo domínio da língua, um bom vocabulário e a capacidade para organizar ideias e sistematizar uma linha de raciocínio. Além disso, é essencial ter uma noção básica do que está acontecendo no mundo, com informações sobre tendências globais –, observa Reinaldo Passadori, presidente do Instituto Passadori de Educação Corporativa e professor de comunicação verbal. Essas habilidades fazem com que a pessoa possa improvisar com base em um conhecimento de fatos e de linguagem prévios.

É o caso do rapper Vinicius Andrade de Lima, ou Vinicin Mc, que em 2010 começou a participar do Duelo de Mc’s em Belo Horizonte, onde mora. O duelo é um espaço para a prática do chamado freestyle, uma improvisação com rimas. Os “combatentes” podem batalhar de diversas formas: atacando um ao outro em um tempo determinado com as rimas, disputando quem rima melhor sobre um tema proposto, rimando no compasso ditado de uma música, etc. O importante é saber improvisar bem. E embora Vinicin diga que o improviso é algo natural e fácil, e que a forma de se expressar seja autêntica e não dê para aprender ou treinar, ele admite que não só ele, mas muitos Mc’s passaram a ler mais para melhorar o domínio da língua portuguesa, ampliar o repertório de palavras e conseguir rimar melhor.

– Eu nunca gostei de ler, mas peguei gosto pela leitura depois de frequentar o duelo de mc’s. É lógico que você tende a aumentar o vocabulário e aprender palavras novas para utilizá-las. Eu leio muito jornal, por exemplo –, explica o rapper. – Mas tem que tomar cuidado para não começar a usar palavras que você não conhece direito.


Sob pressão

No Clube da Fala, Laila Wajntraub cria situações que chama de argumentação sob pressão, especialmente para fazer com que os alunos com dificuldade de se expressar possam treinar a improvisação. Por isso existe um pequeno palco, plateia, câmeras e microfones. Laila dá um minuto, às vezes mais, para que a pessoa improvise sobre determinado tema.

A tática é comumente usada, não apenas em cursos de oratória, mas de teatro. Nas aulas de O Clown Dentro de Mim, curso de palhaço, Joana Barbosa também trabalha o improviso dividindo a sala entre palco a sala entre palco e plateia e dita para quem vai entrar no palco o tema da improvisação.


Contar histórias

Narrar histórias também é uma tática usada como exercício de improvisação. Laila explica que existem diversas formas de trabalhar com isso: falar uma palavra ou um tema e pedir que a pessoa desenvolva uma história fictícia, ou contar algo que já aconteceu com ela, ou ainda criar uma história absurda. Outro exercício é que cada um continue a narrativa do outro de onde ele parou, inventando sua própria parte. Há, ainda, o diálogo de A a Z, em que uma pessoa começa uma frase com a letra A e a outra precisa continuar com uma com a letra B, e assim sucessivamente.

– Através de estruturas de contação de histórias, uma empresa pode fortalecer sua imagem conseguindo vender melhor seus produtos. Essa estrutura cria empatia com o público, envolve as pessoas em uma emoção, e o discurso tem mais impacto –, analisa Reinaldo Passadori, que também aplica a técnica no contexto da comunicação empresarial.


Sim, senhor

Um dos princípios da linguagem do improviso trabalhados pelo palhaço Márcio Ballas em seu curso de improvisação em teatro é falar “sim” para tudo o que acontece na cena.

– Se seu parceiro faz uma proposta, você aceita imediatamente. Vamos cavar um buraco? Sim! E eu já começo a cavar. A cena caminha aceitando as propostas. Se você fala “não”, corta a cena.

O mesmo pode ser usado em situações do cotidiano, em que aquele que improvisa aceita o que acontece em torno de si e incorpora à sua improvisação. Isso leva ao segundo princípio trabalhado por Ballas, o “aqui agora”, em que tudo o que acontecer no momento é incorporado por quem improvisa. Assim, é mais fácil contornar situações que poderiam ser encaradas como um erro.

– Se você tropeçou, ou entraram pessoas no meio da apresentação, não dá para ignorar aquilo. Todo mundo viu ou ouviu.


Para um bom vendedor…

Um exercício que trabalha bastante a improvisação – usado por Joana no curso de palhaço – é tentar vender um produto, seja ele imaginário ou não. Quanto mais pessoas o improvisador atrair com o seu discurso, mais sucesso conseguiu.


Tese, antítese e síntese

Reinaldo Passadori gosta de propor a seus alunos o exercício de TAS: Tese, Antítese e Síntese. Dado determinado tema, a pessoa precisa improvisar da seguinte maneira: primeiro defender um argumento, depois colocar as ideias contrárias a ele e, por fim, fazer um resumo dos principais pontos positivos e pontos negativos.


Entrevista

Para treinar a improvisação, Passadori sugere que se estude um jornalista no rádio ou televisão entrevistando uma pessoa, e que posteriormente se tente formular as próprias perguntas para o entrevistado. As perguntas básicas são baseadas em: o que, quando, como, por quê, onde e quem, e a partir disso é possível se aprofundar no assunto da entrevista. Também é interessante se colocar no lugar da fonte ouvida, e tentar responder de improviso às questões do jornalista.


Políticos e advogados

Políticos e advogados precisam lidar com a improvisação diariamente. Existe uma grande pressão para que seus discursos, independentemente se foram preparados ou não, sejam eloquentes e defendam com clareza suas propostas e defesas. Para improvisar sem titubear, o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Carlos Gonçalves Junior dá algumas dicas: enfatizar argumentos que são favoráveis à posição que defendemos e tentar minimizar a importância dos argumentos que a contrapõe. Além disso, é imprescindível não discutir um argumento que não tenha sido estudado anteriormente. A improvisação precisa se basear em um conhecimento prévio.

Improvisar sobre algo que não se conhece bem dá margem a erros e, segundo o consultor em política e comunicação estratégica Nilson Mello, faz com que o falante perca credibilidade.

– Uma tática importante se a pessoa está sendo questionada e encaminhada para um assunto que não concorda e se sente desconfortável, é se concentrar para continuar a afirmar aquilo que tem a dizer. Em vez de rebater, precisa de certa forma atenuar a crítica continuando a passar a sua mensagem prioritária –, sugere Mello.


Na educação

Cristiane Néri Horta é professora de Língua Portuguesa da Fundação Torino, em Belo Horizonte, e trabalha com seus alunos da quinta série do ensino fundamental o improviso como base da produção escrita. O objetivo, segundo ela, é tirar o peso da aula de redação e mostrar que todos são contadores de histórias, e que a escrita pode simplesmente registrar o dia a dia.

A professora também mantém suas aulas planejadas, mas abertas à intervenção e mudança de rumo dos estudantes. Em uma de suas aulas, por exemplo, mostrou uma série de filmes aos alunos e pretendia que eles criassem um texto a partir daquilo no fim da aula. Mas os alunos propuseram que escrevessem um roteiro de filme e que, depois, o transformassem em uma animação em stop motion, e Cristiane adotou a ideia.

– Um bom professor sempre planeja as aulas, mas ela nem sempre é bem aceita, precisa de um plano B. O improviso entra na sala de aula quando preciso adaptar o que eu planejei ao que o aluno traz. Eu poderia muito bem falar que não era meu objetivo, mas conduzi esse desejo deles discutindo que tipo de texto o roteiro poderia ser, que tipo de discurso poderíamos usar, e assim por diante.