Tribunais de Conta do Estado transitam do monitoramento dos gastos e punição a irregularidades a ações de acompanhamento, pesquisa e colaboração com municípios para a melhoria da gestão educacional

Em abril de 2013, os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), a Associação Membros dos Tribunais de Contas do Brasil e o Instituto Rui Barbosa firmaram um acordo para realizar uma auditoria coordenada do ensino médio. O objetivo é não apenas identificar os entraves que afetam a qualidade do ensino, mas também estimular a melhoria das ações governamentais ao avaliar os processos e sugerir soluções.

Em adição a isso, recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) criou uma unidade interna dedicada apenas ao controle dessas ações de governo na educação. O TCU também tem estimulado os TCEs, que são autônomos, a fazerem o mesmo em sua jurisdição. Até o fim do no, por exemplo, ficará pronta uma auditoria inédita no Brasil coordenada pelo TCU, 25 TCEs e 4 TCMs (Tribunais de Contas Municipais) para diagnosticar obstáculos da qualidade do ensino médio em todo o país. “A realização de auditoria operacional na área de educação tem a finalidade de identificar os principais problemas que afetam o ensino médio no Brasil, e suas possíveis causas, nas três esferas de governo”, explica Valmir Campelo, Ministro do TCU.

Ao fim do processo, o TCU irá redigir um sumário único unindo todos os dados apurados pelos estados, e os TCEs ficarão encarregados de monitorar a implantação das medidas propostas.

Mais do que ditar uma diretriz, a iniciativa do TCU é resposta a uma tendência: há alguns anos, em um ou outro TCE, surgem iniciativas – por vezes de conselheiros autônomos, por vezes de equipes inteiras – de não apenas punir municípios por suas contas irregulares, mas de criar mecanismos de compreensão sobre o que acontece na gestão pública e pensar conjuntamente em maneiras de trazer melhoria para o setor – e, consequentemente, um melhor resultado do processo de ensino-aprendizagem.

Na Constituição Federal, as atribuições do Tribunal de Contas são claras: fiscalizar a aplicação de recursos públicos, prestar informações sobre isso e aplicar sanções cabíveis aos gestores com contas irregulares.

Por isso, apesar da ampliação da atuação desses organismos, existem alguns limites que os tribunais não podem cruzar, como a interferência direta em leis ou na gestão. O que podem, no entanto, é recomendar mudanças e criar mecanismos punitivos de inibição de determinadas ações, como a reprovação das contas – que, por sua vez, podem impedir um político de se candidatar e o município de estabelecer parcerias e receber recursos da União.

“O TCE não pode ‘agir’ na educação, atividade inerente ao gestor, não se podendo confundir as funções de gestão e fiscalização. As competências do TCE são, essencialmente, as de controle externo”, esclarece Victor Hofmeister, diretor de Fiscalização e Controle do TCE-RS.

O papel do TCU

Não podem agir, mas são uma peça-chave para que os gestores da Educação entendam algumas mudanças estruturais que precisam ser feitas. “Essas auditorias operacionais têm contribuído para que o MEC possa fazer mudança no sistema de gestão [a fim de] resolver o problema da educação”, afirmou o secretário-executivo do Ministério da Educação, José Henrique Paim, em um evento do TCU. Campelo acrescenta, ainda, que é importante destacar que não se trata de interferir na gestão da educação, mas antes de tudo colaborar e propor caminhos, ideias e sugestões para a melhoria da aplicação dos recursos.

“Além de cumprir a parte legal, ou seja, fiscalizar se o dinheiro da Educação está sendo bem gasto e não está sendo desviado ou desperdiçado, os TCEs precisam também combater a ineficiência desses recursos. Não adianta gastar o dinheiro se não gastar bem”, avalia Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação.

Uma das bandeiras dos tribunais nesse sentido vem sendo a utilização do Ideb para verificar o resultado práticos do dinheiro aplicado na Educação (leia mais na página XX). Em maio deste ano, o TCU recomendou que o indicador fosse ampliado para avaliar também a qualidade da infraestrutura das escolas e o corpo docente. O tribunal considera que o índice atualmente não é capaz de avaliar o sistema educacional como um todo, além de acreditar que deveria ser feito mais vezes para ser mais preciso e refletir melhor a realidade das escolas e redes.

São Paulo avalia o Ideb

O conselheiro Sidney Beraldo atua no TCE-SP e está em sintonia com essa preocupação do TCU. Assim como outros na mesma função, possui autonomia para ampliar suas auditorias, e desde que passou a ocupar o cargo, no início de 2013, incluiu o Ideb nos relatórios feitos aos prefeitos dos 644 municípios paulistas, indicando se o índice local está acima ou abaixo da meta. “Eu insisto na efetividade. Está comprovado que não basta gastar apenas os 25% na Educação. Tem que gastar bem, olhar a qualidade do gasto. Por isso, combinar a aplicação legal com o resultado do Ideb é muito importante, pois ajuda a medir essa efetividade. A ideia de Beraldo é expandir essa prática para todo o TCE-SP.

Ele conta que o tribunal de São Paulo tem sido rigoroso na avaliação das contas municipais e que aqueles reprovados devem não apenas utilizar o dinheiro do Fundeb corretamente no ano seguinte, mas investir tudo o que não foi aplicado no ano anterior. Além disso, gestores que não tomaram providências em relação a suas contas rejeitadas não podem se candidatar às eleições seguintes – o que, segundo o conselheiro, tem preocupado prefeitos e inibido significativamente a falta de prestação de contas. Mas ainda não é possível, por lei, punir os municípios por não ter alcançado a meta do Ideb. “Podemos recomendar isso e fazer um alerta”, explica Beraldo.

Irregularidades

Os municípios paulistas não são os únicos preocupados com as contas rejeitadas. O TCE do Piauí reprovou, entre outubro de 2012 e março de 2013, 40% das contas do Fundeb referentes aos exercícios de 2008 a 2010: entre os 82 processos julgados, 33 foram avaliados como irregulares.

Um levantamento do Departamento de Patrimônio e Probidade da Advocacia Geral da União (AGU) revelou que a Educação, junto à Saúde, são as áreas com mais corrupção no país – mais especificamente responsáveis por 60% a 70% dos desvios de recursos públicos. O foco, segundo o relatório, está nos repasses inferiores a R$100 mil, mais dificilmente detectáveis pela fiscalização.

No caso do Piauí, a principal irregularidade encontrada nas contas diziam respeito à contratação de professores em caráter temporário (sem processo seletivo). Esse mecanismo é utilizado por alguns municípios para manter professores continuamente como temporários e não precisar, assim, entrar no cálculo do percentual mínimo dedicado aos docentes previsto no Fundeb.

José Marcelino, professor da USP – Campus Ribeirão Preto e presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação), avalia que, considerando que de 80% a 85% dos gastos com Educação no Brasil são de pessoal, a lógica aponta para esse como o foco dos desvios e irregularidades.

“Temos um gargalo de desvio com a existência de pessoas fantasmas na folha de pagamento, e também com o aposentado que entra como gasto, mas teoricamente é da Previdência”, observa. Por isso, ele afirma que, apesar dos desvios de dinheiro serem detectados frequentemente na infraestrutura e transporte escolar, o montante é maior na área de pessoal. “Em São Paulo, por exemplo, os aposentados são quase 30% da folha de pagamento, mas isso não é uma irregularidade explícita porque a legislação é omissa em relação a esse ponto.”