Nova pesquisa sobre tipos de personalidade de alunos sugere que professor adapte sua aula para envolver a todos; outros defendem, porém, que a classificação pode engessar a forma com o professor vê os jovens

A tentativa de classificar o comportamento e temperamento humano vem de antes do surgimento de muitas das grandes filosofias e religiões do mundo. Hipócrates, pai da medicina ocidental – e cujas palavras ainda servem de juramento para graduandos de medicina hoje – marcou na Grécia Antiga a primeira categorização de personalidades. Segundo ele, existem quatro tipos de temperamento humano, de acordo com o fluído corporal que a pessoa mais possui em seu organismo: sanguíneo (sangue), fleumático (linfa ou fleuma), colérico (bílis) e melancólico (bílis negra), cada um deles com características específicas.

Desde os tempos de Hipócrates, psicólogos, psiquiatras e outros especialistas vêm tentando aperfeiçoar e definir os exatos tipos de personalidade humana. No fim de julho deste ano, a mais recente tentativa foi lançada no Brasil, quando o psiquiatra e professor de Medicina e Biociências da PUC-RS Diogo Lara e sua equipe concluíram o trabalho de seis anos da pesquisa “Temperamento” e chegaram a 12 tipos de personalidade, resumidos a quatro grupos principais: pessoas estáveis, instáveis, externalizadas e internalizadas. A novidade é que Lara aplicou esses perfis a uma sala de aula, chegando a conclusões sobre como uma aula deve ser ministrada a partir das características de cada grupo de alunos. “Conforme desenvolvemos esse modelo de temperamento, quisemos saber como ele se relacionava com diversas realidades e contextos, desde o videogame até o desempenho acadêmico”, conta Lara.

Segundo ele, a maior parte das pessoas consegue reconhecer os perfis aos quais a pesquisa chegou sem precisar de uma cartilha e, em geral, 40% dos alunos de uma sala são do tipo “estável” e os outro 60% se dividem igualmente entre os outros três perfis. Existe na escola, diz, a “turma do fundão”, em geral composta pelos alunos “externalizados” e alguns “instáveis”, que começam a fumar e namorar precocemente, desafiam o professor, tendem a assumir menos responsabilidades, são ótimos na aula de educação física, mas não se dão bem com o ambiente da sala de aula. Já os “internalizados”, ou “inibidos”, se sentam nas laterais da classe, não no fundo – onde há muita bagunça e interação – nem de frente para o professor, temendo ser foco de perguntas e olhares diretos. Por sua vez, os “estáveis”, conforme explica Lara, são mais previsíveis: prestam atenção, gostam e se conectam bem ao processo da aula.

A conclusão da pesquisa Temperamento é que existem dois tipos básicos de dar aula, um mais expositivo, que privilegia informação, e outro mais dinâmico e prático, que foca em habilidades. O tipo “estável” de aluno se adapta bem aos dois modos, enquanto os “inibidos” preferem a aula passiva, por temerem que o esquema mais participativo exponha suas vulnerabilidades, e os “instáveis” e “externalizados” precisam de atividades em que possam aplicar seu alto nível de energia, por isso preferem propostas mais práticas, pois em aulas expositivas não conseguem prestar atenção, se cansam facilmente e se entendiam, e isso mina sua autoestima e desempenho. “A mensagem importante do nosso estudo é que ninguém é ruim em tudo, mas, se o professor entender que na sala de aula tem distribuições de pessoas desses vários tipos, pode equilibrar conscientemente atividades mais passivas com as mais participativas”, analisa Lara.

O psiquiatra chegou a essa conclusão por diversos caminhos. Em primeiro lugar, é professor do ensino superior há dez anos e diz que aprendeu que o sucesso de uma aula está no equilíbrio entre o método expositivo e o prático. “Com isso acho que, de uma maneira geral, todo mundo sai modificado da disciplina, e não uns muito e outros pouco. Eu sigo essa regra e dá muito certo adaptar os ambientes para desafiar as fraquezas e fortalecer as virtudes dos alunos, sempre levando em consideração a personalidade de cada um”, explica.

A pesquisa Temperamento está baseada na experiência clínica de Lara e seus colegas e, principalmente, nos resultados do site www.temperamento.com.br, criado pela equipe e dotado de um questionário virtual e anônimo que permite uma análise posterior do perfil de cada um. Mais de 50 mil pessoas já responderam às questões e fazem parte do escopo que deu resultado aos 12 perfis finais. Lara afirma que, para o resultado final, estudou todas as pesquisas de temperamento já feitas e mais reconhecidas, e criou, com sua equipe, um modelo próprio que preenchesse as lacunas deixadas por pesquisas anteriores.

O método consiste em relacionar duas abordagens, o temperamento emocional e o afetivo. “No emocional dividimos em partes, o quanto a pessoa tem de vontade, de raiva, de medo, de sensibilidade a stress, de aguentar situações adversas, de enfrentar e resolver problemas, de controle. Essas são características fundamentais da nossa função mental”, detalha. “O temperamento afetivo é a combinação desses fatores com configurações específicas que nos levaram a 12 padrões afetivos mais comuns.” Para aplicar a teoria à educação, a pesquisa verificou quais as características afetivas e emocionais estavam relacionadas a um bom ou mau desempenho acadêmico, em princípio analisado por número de anos de escolaridade e número de repetências.

Lara garante que a pesquisa é conclusiva, e que não existem outros perfis além dos encontrados pela Temperamento. Melania Moroz, professora do Programa dos Estudos de Pós-Graduados em Educação, da Psicologia da Educação da PUC-SP, no entanto, pondera que diferentes profissionais chegam a perfis diferentes, por isso é preciso ter cuidado na hora de classificar perfis de alunos. “Como educadora, concordo que as salas de aula, e até mesmo os alunos, são diferentes entre si. Assim, concordo que o professor precise conhecer com quem trabalha, para poder realizar de forma eficiente seu papel – o de ensinar. No entanto, discordo da afirmação de que haja perfis específicos, a ponto de definirem o que deve ser ensinado e as estratégias de ensino a serem utilizadas”, observa.

A professora de história Maria Odette Brancatelli, do Colégio Bandeirantes, por exemplo, diz que concorda com os perfis encontrados pela pesquisa Temperamento, mas que muitos alunos possuem características de mais de um dos grupos de perfil. “Não gosto muito de criar categorias para os alunos, nem para as turmas. Destaco que as novas gerações são bem mais dinâmicas, têm mudado com uma rapidez incrível. Acredito que um novo estudo, daqui a um ou dois anos, apontaria para novos tipos de alunos”, observa a professora. Ela também acredita que o lugar que o jovem escolhe para sentar nem sempre define o seu perfil – há inibidos na “turma do fundão” e há externalizados e instáveis na frente da sala.

Já o vice-diretor pedagógico do ensino fundamental da escola Móbile, Antonio da Corte, concorda com a classificação da Temperamento. Ele acrescenta que os alunos inibidos não se colocam no grupo, e tentam a levantar questões individualmente para o professor no início ou fim da aula, enquanto os mais agitados (externalizados e instáveis) são os que desafiam o professor e criam polêmicas sobre o tema tratado com o simples objetivo de desestabilizar a aula. Ele corrobora, também, para a conclusão de Lara e sua equipe de que o grupo dos estáveis é maior do que os outros. “Grande parte dos alunos contribuem de maneira positiva com o trabalho coletivo, apresentando comportamentos que envolvem, além de empenho e organização, atitudes de respeito e solidariedade, favorecendo com isso um ambiente saudável na sala de aula”, expõe.

Estratégias para envolver todos

Assim como Diogo Lara defende que o segredo para uma aula de sucesso é dividir o tempo em metade de exposição, metade de atividades práticas, cada professor encontra o seu jeito de envolver alunos com personalidades diferentes na mesma aula. Vera Lucia Antunes é coordenadora pedagógica do Colégio Objetivo e dá aula de geografia para alunos da escola e também do curso vestibular da rede, e, com 42 anos de sala de aula, ela afirma que sua estratégia é, em princípio, conhecer os alunos pelo nome e lugar onde sentam, e decifrar como eles se comportam na classe. Depois, encontra maneiras diferentes de chamar a atenção de cada um. Quem está conversando ou dormindo, por exemplo, é chamado para debater algum assunto atual que se relacione com a matéria, como, por exemplo, um terremoto recente. “O jovem não gosta de discurso, porque se sente humilhado. Procuro me aproximar, fazer com que ele preste atenção, porque quando ele perde o que está sendo discutido na aula, perde o interesse, e isso leva à desmotivação e à distração na aula”, afirma. Segundo ela, não há um só método em uma classe. Para os que dormiram, ela fala mais alto. Para os tímidos, ela fala mais direcionada, sem chamar a atenção.

O tipo mais difícil de motivar e envolver na aula, no entanto, é o “desligado” que, nas categorias de Lara, se encaixaria nos instáveis. Essa é a mesma opinião de Maria Odette, do Bandeirantes, que acha muito difícil trabalhar com os “indiferentes”, desinteressados pelo conteúdo independente da estratégia. Nos tipos de Lara, eles também se encaixariam nos instáveis. “Conquistá-los leva tempo”, diz.

A professora Vera, no entanto, atenta para o fato de que muitas vezes as pessoas se atêm a tipos de perfis engessados e não se permitem conhecer o aluno além daquilo. Ela cita o exemplo de um aluno que teve, e hoje é médico, que chegou a agredir fisicamente a diretora da escola e que ia mal nas avaliações escritas. Pela sala de aula, porém, ela sabia que ele conhecia o conteúdo, e fazendo uma prova oral descobriu que, na verdade, o estudante era disléxico, e sua agressividade era resultado de frustração. “Esse tipo de aluno o professor muitas vezes acha que é vagabundo”, alerta.

Outra questão envolvendo a necessidade, defendida por Lara, do professor de adaptar sua aula aos alunos, é que muitas vezes é preciso que os jovens se esforcem para desenvolver novas habilidades e se adaptar a uma atividade a qual geralmente não se adaptam. Assim, um aluno que prefere uma aula expositiva a um trabalho em grupo, teria que aprender a trabalhar com os colegas para ampliar suas habilidades. “Algumas vezes, o professor sabe que determinada estratégia é a mais adequada para um tema – nesse caso, são os alunos que precisam se adaptar. A necessidade de adaptação é recíproca”, afirma Maria Odette.

É o que defende o psicólogo Márcio Moreira, doutor em Ciências do Comportamento pela UnB e coordenador e professor do curso de psicologia do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Para ele, independentemente de existirem diversos perfis de alunos e que de fato seja importante planejar atividades voltadas para o que os jovens trabalham melhor, o professor não pode se tornar escravo disso. “Tem algumas habilidade que os alunos precisar desenvolver e por isso é preciso ter cuidado ao dizer que o professor precisa se adaptar, porque ele pode ficar em uma situação de receio, achando que ele tem que se adaptar para que o aluno aprenda”, observa. “Não posso simplesmente classificar as pessoas em tipos e dizer que elas estão engessadas nisso, que são assim e não vão mudar.”

Outra crítica, levantada pela professora Melania Moroz, da PUC-SP, é que identificar perfis psicológicos não é o mais importante para o sucesso de uma aula. O importante de conhecer os alunos, segundo ela, é entender o quando eles conhecem sobre o que será ensinado, para que o professor possa planejar bem sua aula e também ter claro que habilidades e proficiência querem que o aluno tenha no fim do processo. “Ora, um aluno que não domina, por exemplo, as operações matemáticas, qual é a probabilidade de que aprenda frações? Mínima, senão nula! Este aluno, na sala de aula, como atuará quando frações forem o alvo de ensino? Muito provavelmente apresentará comportamentos não acadêmicos (conversará com o colega, ouvirá música, mexerá no material, ficará de cabeça deitada sobre a carteira, ou pensará em qualquer outra coisa não relacionada a frações, por exemplo)”, diz. Mas, se o professor também tiver outras informações sobre seu aluno, como coisas de que ele gosta, situações que lhe são difíceis ou constrangedoras, entre outras, defende Melania, ele poderá planejar situações que engajem melhor o aluno nas atividades, deixando de utilizar situações que afastam o jovem da atividade.