Persuadir uma pessoa ou uma plateia não é tão fácil, mas especialistas garantem que essa é uma arte que se aprende

Uma boa argumentação abre qualquer porta. É o que se acredita desde a antiguidade, quando técnicas como a retórica foram criadas para convencer e persuadir o público de uma ideia que nem sempre era verdadeira, mas era, invariavelmente, eloquente. A crença de que a excelência humana não estaria ligada a um dom nato, ou seja, que poderia ser aprendida por meio de técnicas, foi introduzida pelos sofistas na Grécia Antiga, embora as civilizações mesopotâmica, egípcia e chinesa já tivessem registrado o uso da retórica anteriormente.

Esses professores gregos itinerantes, que prometiam ensinar qualquer um a se tornar um orador persuasivo, foram alvo de fortes críticas do filósofo Platão, sob a defesa de que os sofistas não tinham comprometimento com valores éticos tais como a verdade e a justiça, apenas com o poder e o dinheiro. De fato, a eficiência de um argumento, para os sofistas, era proporcional a quanto ele parecia – e não necessariamente era – verdadeiro. Mas talvez Platão tenha subestimado a preciosidade técnica da arte da persuasão (como foi definida a retórica); detalhe que não passou em branco para seu discípulo Aristóteles, que sistematizou, em seu livro Arte Retórica, os fatores que influenciam o público em um discurso ou texto persuasivo: o ethos (caráter e credibilidade do orador), o pathos (apelos emocionais) e o logos (razão e lógica na construção do argumento).

Ultrapassando a barreira moral imposta por Platão, Aristóteles chegou à conclusão que fixou a importância da retórica por séculos de história até os dias de hoje: um discurso persuasivo pode ser usado para manipular pessoas, mas é também uma forte ferramenta de comunicação. “Com a modernização das relações sociais, a retórica como era conhecida antigamente mudou de nome, usa-se hoje relacionamento interpessoal, comunicação interpessoal”, explica o consultor de gestão carreira e de marketing pessoal Ari Lima, que também ministra palestras e escreve artigos sobre a persuasão no mundo profissional.

Dois mil e quinhentos anos depois dos sofistas, em uma era de informação na qual a comunicação está na base das relações pessoais e profissionais, qual é a importância de convencer o interlocutor? “Num mercado altamente competitivo e em acelerada mudança, a habilidade de comunicar ideias e convencer as pessoas das necessidades de mudanças é essencial. Nestas circunstâncias, o domínio das técnicas de persuasão cria um diferencial valioso”, avalia Jairo Siqueira, consultor em criatividade e negociação.

Não é só isso. Victor Hugo Caparica, mestre em Estudos Literários pela Unesp, lembra que todas as relações interpessoais são, em última análise, relações interdiscursivas. Ou seja: na maior parte do dia, estamos argumentando em maior ou menor grau com as pessoas que nos cercam. “E isso pode ser desde uma simples conversa no corredor até uma negociação de vendas ou investida romântica. Em todos os casos, estar preparado para lidar com essas relações dialógicas implica não apenas em falar ou escrever melhor, como também em estar menos suscetível a tais astúcias da enunciação”, observa.

Como podemos, então, nos preparar para essas relações dialógicas? O primeiro passo, se quisermos convencer alguém de algo, é saber no que consiste uma boa argumentação. “O bom argumento é aquele que se sustenta, aquele que é bem fundamentado. O argumento construído sobre alegações, apresentando provas do que afirma. Como uma boa pilha de pratos que, sem apoios exteriores, fica firme e não cai”, explica Celso Cruz, professor dos cursos de Comunicação e Design na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). De acordo com o especialista, um discurso bem argumentado apresenta suas propostas com clareza e precisão, “desenvolvidas com leveza, riqueza de vocabulário, imagens e sonoridades sugestivas, com ritmo e sem enrolação, concluindo de um modo elegante, que amarre os pontos da conversa, fixando-a em nossa mente, e instigante, convidando o interlocutor à ação”.

Um argumento só é consistente, no entanto, se levar em conta o interlocutor. Para Caparica, é essencial respeitar as opiniões e valores do público, não forçando a abraçar a posição do enunciador, mas sim o conduzindo passo a passo por caminhos lógicos até um entendimento mútuo. “Ao falar com uma plateia de pessoas de idade com determinado valor social, se contrariar esses valores já vou começar mal, não vou conseguir convencê-la”, complementa a professora Maria Teresa de França, professora de Redação e Linguagem Jurídica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Muitas vezes, não conseguimos convencer ou persuadir nossos interlocutores simplesmente porque não nos colocamos do outro lado do diálogo, fechando os olhos e ouvidos para aquele em quem deveríamos prestar mais atenção”, acredita Caparica.

O linguista lembra, ainda, que não existe um único tipo de público, com uma única hierarquia de valores e ideologias. Existe o público de uma sala de aula do ensino médio, o de uma reunião de executivos de uma grande empresa, o de eleitores de uma cidade ou estado, e os públicos formados por uma única pessoa, como quando conversamos com um amigo. “Para cada tipo de público, assunto, situação e intenção, haverá um conjunto ideal de expedientes e técnicas argumentativas para se atingir a eficácia. Assim, não existe um único recurso ou dica que possa garantir o sucesso de um orador, mas um grande grupo desses recursos a ser estudado”, afirma.

Técnicas para convencer

Conforme Caparica observa, as estratégias de persuasão dependem do público para o qual o discurso é direcionado, mas podem ser sintetizadas em alguns pontos fundamentais. O primeiro passo é, justamente, identificar o auditório, seus valores, seu comportamento, suas expectativas. “É importante ser observador para começar a perceber as distinções entre as pessoas, e saber distinguir se esse tipo de pessoa precisa do argumento X ou Y”, aponta o consultor Ari Lima.

Lima acredita que conhecer o público vai além da simples observação leiga. Ele afirma que hoje a psicologia já mapeou tipos humanos que podem auxiliar na identificação de um público-alvo. Existem, por exemplo, pessoas que guiam seu comportamento por aspectos visuais, outras pela sinestesia e outras pela audição. “As pessoas visuais raciocinam em termos de imagem. Para serem persuadidas, precisamos vender um produto ou ideia trabalhando essa questão da imagem. Por isso, se queremos persuadi-la para ir à praia, vamos descrever o mar, a areia, o sol, as pessoas bonitas. Ela vai visualizando, o desejo surge e conseguimos persuadi-la”, analisa. “O outro grupo são os sinestésicos, e o apelo para eles está ligado a sensações e sentimentos, então elas não têm interesse em descrições visuais. Se essa pessoa vai comprar uma roupa ou um carro, é importante que seja confortável, e não necessariamente bonito. O terceiro grupo são as pessoas auditivas, que precisam ser convencidas através de argumentos orais, podem conversar por horas e horas no telefone porque não precisam ver o produto ou uma fotografia para comprar, precisam de uma descrição oral.”

A etapa seguinte para dissuadir é a formulação de uma tese, na qual é importante fixar o objetivo do discurso, saber do que queremos convencer o público. “Uma boa dica é ter uma tese de adesão inicial, uma ideia de fácil e consensual aceitação que possa levar ao que se quer afirmar. Por exemplo, posso partir da ideia de que mortes acidentais são tragédias que devem ser evitadas ao máximo, para iniciar uma argumentação contra a posse de armas de fogo ou ainda contra o uso de álcool no trânsito”, afirma Caparica.

O passo seguinte é a argumentação. Segundo Osório Antonio Cândido da Silva, professor especialista em Técnicas de Comunicação e Expressão Verbal, um bom argumento no início do discurso é o “ímã da atenção”, aquele que vai desafiar o público. Em seguida, devemos fazer uma análise de fatos que sustentem o raciocínio inicial para “desmontar as resistências do opositor, conduzindo-o para uma situação em que ele possa admitir somente o que o autor espera”. Obtida esta primeira “vitória”, diz Silva, a missão de persuadir estará bastante facilitada. Os próximos argumentos, então, deverão ter uma estrutura sequenciada que dirija o raciocínio da plateia para a lógica e concordância de ideias do discurso, “tudo isso numa linguagem simples e clara, à altura da compreensão do leitor que não terá elementos para discordar”. “Na parte final, a argumentação volta a fazer referência, não por acaso, ao ímã da atenção usado no início. Aqui ele reaparece fortalecido por todo o processo desenvolvido, não deixando alternativa ao público que não seja concordar e aceitar que foi persuadido”, conclui.

Para complementar as estratégias de convencimento, o consultor em criatividade e negociação Jairo Siqueira lembra que o psicólogo norte-americano Robert Cialdini, referenciado especialista no tema, apresenta seis princípios que podem auxiliar no processo de persuasão: a lei da reciprocidade (as pessoas se sentem obrigadas a retribuir algo que lhe dermos), a lei da consistência (as pessoas gostam de se mostrar consistentes em seus pensamentos, sentimentos e ações. Tomada uma decisão, elas se comprometem e ficam inclinadas a mantê-la ou mesmo dar um passo maior), a lei do apreço (se você se simpatiza com alguém, está mais inclinado a agradar e concordar com esta pessoa), a lei da escassez (se você não está seguro sobre comprar alguma coisa, no momento em que ela é anunciada como a “última oferta”, você se dispõe a reexaminar sua posição), a lei da autoridade (quando uma pessoa que você admira ou respeita aprova uma ideia, você tende a pensar que ela é boa para você também) e, finalmente, a lei da prova social (se você está indeciso, tende a seguir o comportamento das pessoas ao seu redor e fazer o que é considerado socialmente correto e seguro).

Apelar para a razão e a emoção

Uma última lição pode ser útil para quem deseja melhorar suas habilidades de discurso: convencer e persuadir não são a mesma coisa. Conforme explica o professor Osório da Silva, a palavra persuasão vem de persuadere, que significa “aconselhar”, e pode ser definida como a arte de apresentar argumentos apelando para a emoção do interlocutor com o objetivo de conseguir sua adesão. “Conceitualmente, há três modos de persuadir. Marco Túlio Cícero, senador, considerado o maior orador romano, chamava a isso ‘Tria Officia’, que consistia de convencer (lógica), comover (emoção) e agradar (estética)”, detalha. “Convencer” (cum+vincere = vencer o opositor) seria, tecnicamente, dissuadir o público usando provas lógicas indutivas (exemplos) ou dedutivas (argumentação).

“Há dois grandes campos estratégicos: o do convencimento, que lida com fatos, informações, esclarecimentos, e o da persuasão, que gerencia emoções e relacionamentos”, complementa Celso Cruz, professor da ESPM. “O primeiro é muito utilizado em comunicações que envolvem muitos detalhes técnicos, comparativos, vantagens econômicas, em geral de olho em necessidades objetivas. O segundo trata das identificações, das experiências que determinado produto, serviço ou marca proporcionam; a persuasão lida com sensações, desejos, sonhos, fantasias – e aí, as imagens, as figuras de linguagem e as narrativas são grandes técnicas para os comunicadores. É bom ressaltar que os dois campos andam juntos.”

Para Ari Lima, a persuasão é mais eficaz do que o convencimento, por mexer com as emoções, que falam mais forte na hora de tomar uma decisão. “Vamos pegar como exemplo uma propaganda de cigarro: todos sabem que o cigarro faz mal, mas na propaganda aparecem pessoas aventureiras e bonitas se divertindo, e isso trabalha o lado emocional do público, que consome o produto”, diz. “Então a grande diferença da persuasão para o convencimento é essa: o convencimento trabalha o lado racional, e o interlocutor fica ciente de que aquela ideia é verdadeira, mas ele pode fazer ou não o que pedimos. Mas na persuasão a plateia esquece a lógica e mesmo não estando convencido que aquilo é o mais certo, envolvida emocionalmente com a ideia ela vai seguir o conselho.”

Persuasão se aprende

Acredita-se novamente, como na época dos sofistas, que a persuasão é algo que se aprende. Victor Hugo Caparica ministrou em setembro o curso de extensão universitária “Retórica e Argumentação: da Retórica Clássica à Moderna Análise do Discurso” no Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) e acredita que mais urgente do que aprender a usar as artimanhas do discurso é entender como não ser um alvo fácil para elas. “Nossa sociedade é formada e permeada pelos mais variados e multiformes tipos de discurso, e muitos deles parecem invisíveis aos olhos de um leigo. A intenção do curso é abrir os olhos dos alunos para essa realidade social”, afirma.

Ele aponta, ainda, que persuadir e convencer são, afinal, partes do discurso, e por isso as técnicas podem ser aplicadas tanto na forma oral como textual. Mudam apenas alguns detalhes: “Em um texto escrito, por exemplo, elimina-se a necessidade do improviso, que no discurso oral é algo quase indispensável. Por outro lado, o discurso oral pode empregar expedientes mais enfáticos, como tom de voz e postura física. O bom orador saberá fazer o melhor uso das vantagens de cada forma.”


Programação Neurolinguística, a nova face da persuasão

A Programação Neurolinguística, ou PNL como é mais conhecida, estuda a estrutura do pensamento humano, analisando e mapeando detalhadamente como as pessoas pensam, agem e se comunicam para programá-las para atingir seus objetivos e desejos pessoais e profissionais. A PNL parte do princípio que as relações humanas estão sob nosso controle, basta aprendermos como tomar nossas próprias rédeas. A partir disso, é possível afirmar que a persuasão e o convencimento, ou seja, a manipulação de argumentos para dissuadir o público de determinada ideia, podem ser técnicas dominadas por qualquer um por meio do estudo de como a mente humana funciona. Os sofistas gregos não conheceram essa técnica retórica: o conceito foi criado na década de 1970 e chegou ao Brasil em 80 com a criação da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística (SBPNL).

“A PNL se baseia em uma trilogia: a neurologia, de onde informações entram no ser humano através dos canais sensoriais (cinco sentidos), a programação, que entende como está construído o pensamento e nossos filtros mentais, e a parte linguística, que compreende como expressar essa informação para fora por palavras e gestos”, explica o psicólogo e filósofo Alexandre Bortoletto, instrutor da SBPNL e especialista em hipnose moderna. Segundo ele, a persuasão não é apenas comunicação em palavras, mas também inclui uma série de elementos não verbais estudados pela PNL. “Quando eu digo algo, estou falando com gestos, tom de voz, e estes falam mais alto que as próprias palavras. Uma frase curta como ‘eu te amo’ pode ser dita de várias formas. Então na PNL acreditamos que a comunicação não verbal é mais forte do que as palavras”, afirma. Para convencer alguém usando a PNL, Bertoletto ensina que primeiro é preciso mentalizar a intenção e qual é o resultado esperado. “Se não sei o que quero, qualquer coisa vale”, diz. “Tendo isso em mente, preciso começar a estabelecer passos. O importante é me comunicar observando se o outro está entendendo. Caso ele não esteja entendendo, mudo a rota. Saber onde eu vou e ter flexibilidade para mudar o caminho é essencial.”


Técnicas para persuadir e convencer

  • Identificar qual é o público, seus valores, seu comportamento e suas expectativas
  • Formular uma tese e delimitar os resultados esperados
  • Usar linguagem simples e clara, adequada ao público
  • Pensar em uma cadeia de argumentos lógicos que fortaleçam a tese
  • Atentar para elementos não verbais como postura, tom de voz, imagens etc.

Carreira retórica

Embora o termo “retórica” tenha caído em desuso, foi disciplina nas faculdades durante muitos séculos e, ainda hoje, é ensinada de outras maneiras no ensino superior. O objetivo é dar embasamento para formar profissionais com boa capacidade de argumentação e persuasão. Maior exemplo disso é a tradicional área de Direito, que se resume na defesa de ideias e fatos nem sempre verdadeiros. “Num tribunal do júri, por exemplo, existe o advogado e o promotor. Os jurados são leigos, não conhecem questões jurídicas. A persuasão, então, vai ser muito forte na argumentação, porque toca na emoção do público”, observa Maria Teresa de França, professora de Redação e Linguagem Jurídica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Trabalho com os alunos também recursos sutis da linguagem, como por exemplo a carga moral das palavras. ‘Ódio’ é muito forte. Se eles exagerarem nos adjetivos podem causar o efeito contrário ao desejado e criar dúvida no público.”

Uma profissão bem mais recente que está envolvida diretamente com a persuasão e convencimento do público é a Propaganda e Marketing, conforme explica o publicitário Celso Cruz, professor dos cursos de Comunicação e Design na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM): “O marketing é o estudo do mercado, tentando compreender e orientar as relações entre produtores e consumidores. Persuadir um consumidor, cativar suas emoções, dentro de padrões éticos, é tarefa fundamental para quem deseja se destacar no mercado. A propaganda é a retórica do consumo. Uma excelente maneira não só de comunicar para o consumidor que um produto ou serviço existe, mas, principalmente, uma ferramenta para convencer e persuadir esse consumidor a comprá-lo e, mais do que isso, se identificar ou aderir aos valores de uma marca. Portanto, a mobilização das emoções e das relações na argumentação (ou seja, a persuasão), é a maneira mais eficaz de estabelecer tais vínculos com o seu público.”