Uso do GPS aliado a outras tecnologias tem sido aplicado por professores de diversas disciplinas, em especial a Geografia, para ensinar conceitos de localização aliados a situações reais
Em um momento em que muitos professores ainda resistem em adotar a internet e o computador como ferramentas pedagógicas, outros já ousam se aventurar por novos mares tecnológicos tendo o GPS como norte nessa exploração. Sigla originária do inglês Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global), esse aparelho tem se popularizado progressivamente, deixando de ser uma tecnologia cara e restrita para especialistas e passando às prateleiras a um preço mais acessível e um modo mais “user friendly” de operação.
Essas mudanças colocam o GPS no mapa da educação. “Já ficou comprovado por pesquisas que as tecnologias da informação interferem muito positivamente na produção de conhecimento e na aprendizagem do aluno e de professores”, contextualiza a professora Daísa Teixeira, doutora em Educação pela USP e docente da UFES, especialista em TICs na educação. “Na questão mais específica do GPS, é uma ferramenta nova sendo usada na educação, especialmente por professores de geografia para estudar localização, mas também promete oferecer inúmeras oportunidades de ensino-aprendizagem não só na escola como na comunidade que o jovem vive.”
Esses novos rumos e vantagens do GPS têm sido postos à prova em diversas salas de aula Brasil afora. Professor de geografia do 6º ano no Colégio São Luís, de São Paulo (SP), Fábio Brás faz parte de um projeto da escola que, há seis anos, investiu em alguns aparelhos de GPS para uso pedagógico. Segundo ele, essa tecnologia, hoje quase que totalmente disseminada entre os seus alunos por conta da popularização, é uma ótima ferramenta de ensino para instigar os jovens. “Ele fica mais estimulado quando mostramos que esse aparelhinho tem uma finalidade, e hoje ele vê GPS no táxi, no carro do pai, tem acesso e vê como funciona, então quando começa a estudar na sala de aula passa a entender melhor sua vida cotidiana e vê aquilo como um conteúdo útil que não vai perder”, observa o professor.
No Colégio São Luís, cada professor escolhe a melhor maneira de introduzir o GPS na disciplina e conteúdo que estão trabalhando. Brás conta que tem o cuidado, antes de assustar seus alunos de 6º ano com um aparelho como esse logo de cara, de trabalhar outra ferramentas de localização geográfica antes: primeiro começa com o lúdico, propondo um jogo de Batalha Naval, em que o jogador precisa dar coordenadas precisas em um plano quadriculado para encontrar (e afundar) os navios de seu oponente. O segundo passo é trabalhar os conceitos e aspectos teóricos da localização geográfica, como latitude e longitude, calculadas em graus, minutos e segundos. Só depois disso o professor traz o GPS para a sala de aula, explicando que é uma tecnologia para ajudar na localização precisa no globo terrestre. Seus alunos usam o aparelho especialmente em viagens de estudo do meio, para fazer medições em pontos específicos e trabalhar, na prática, conceitos da cartografia.
A mesma iniciativa de usar o GPS para estudar localização geográfica foi tomada por Kátia Thereza Silva, professora de geografia do Colégio Progressão, em Taubaté (SP), para o 6º e 7º ano do ensino fundamental. Seu marido, engenheiro, possui um GPS e ela passou a levar o aparelho para suas aulas seis anos atrás. “Trabalhar coordenadas geográficas é algo muito abstrato para o aluno dessa idade, mesmo criando brincadeiras e jogos”, acredita. Por isso, a professora resolveu transpor o conteúdo para um plano real, trabalhando maneiras de orientação dos homens desde quando se tem notícias, com a orientação pelas estrelas, depois pelo Sol, então passando pelos pontos cardiais. Depois disso, Kátia constrói com seus alunos uma bussola e, para coroar o processo, leva o GPS. “É interessante como eles conseguem entender esse avanço de como os homens se localizavam, como as pessoas navegavam pelo oceano só com a orientação do Sol e das estrelas até chegar a hoje, com o GPS. Eles aprendem muito melhor desta forma, relacionando o conhecimento antigo e o moderno: percebem que, para conseguir utilizar o GPS e entender as coordenadas geográficas, é preciso saber todo o princípio básico. A tecnologia por si só é banal se eles não sabem como aplicá-la”, afirma.
Nas atividades, Kátia propõe que, a partir de um ponto na escola, os alunos caminhem pelo espaço anotando as variações de latitude, longitude e altura, para depois transformar a trajetória em função do tempo decorrido. A professora também faz dinâmicas em que um colega vai para um ponto específico da escola e os outros precisam relacionar esse deslocamento à posição do jovem no globo, usando o GPS. O trabalho de Kátia com seus alunos rendeu material para sua dissertação de conclusão de curso de pós-graduação latu sensu em Geografia, “O uso da tecnologia no ensino da geografia: localização e orientação”, em que a professora explora formas de usar o GPS e o Google Earth para ensinar coordenadas geográficas.
Do exterior para o Brasil
As iniciativas no Brasil ainda são pontuais, muitas vezes partem do professor com seu aparelho pessoal e, quase sempre, envolvem o conteúdo de localização geográfica na disciplina de geografia. Mas existem outras maneiras de trabalhar com o GPS na sala de aula, inclusive em outras disciplinas e aliado a outras tecnologias, e isso tem sido importado para o País via projetos internacionais e parcerias com ONGs e universidades estrangeiras.
É o caso da Gincana Global, criada pela Waag Society, ONG holandesa que desenvolve tecnologia criativa para inovação social. Realizada pela equipe holandesa em escolas brasileiras durante 2009, a ideia do projeto é distribuir celulares munidos de GPS para grupos de alunos que devem percorrer a cidade realizando diferentes tarefas e ganhando pontos, em geral com conteúdos que fazem o intercâmbio entre as culturas holandesa e brasileira. A organização desenvolveu o 7scenes, um aplicativo que permite a programação de vídeos, textos, fotos e músicas para um determinado ponto do mapa. Assim, o professor pode adicionar aos celulares tarefas que carregarão automaticamente quando o aluno passar pelo ponto escolhido. Na experiência feita com estudantes brasileiros, na Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, ao passar pela Casa das Rosas os alunos receberam uma lição de história e arte e a tarefa era que desenhassem, com giz na calçada, a arquitetura da construção. Em outra situação, os jovens precisam achar um objeto ou ser vivo em determinado tempo, e recebem a lição sobre eles quando os encontram e devem tirar uma foto e registrar sua localização com o GPS. Pode ser uma escultura em um museu, ou um animal ou planta em seu habitat. Desta forma, o uso do GPS não se restringe à geografia e ao ensino de coordenadas, mas se expande para todas as disciplinas, como história, biologia, português etc. Leia mais sobre a experiência da Gincana Global no Brasil no box da página XX, em uma entrevista exclusiva com o holandês Ronald Lenz, diretor criativo do 7Scenes.
Outra iniciativa que alia a tecnologia do celular e do GPS à educação vem do Mobile Experience Lab, do MIT (Massachussets Institute of Technology), Estados Unidos. O Locast Civic Media é uma plataforma de protagonismo juvenil que permite que os alunos, a partir de um tema proposto pelo professor, saiam às ruas registrando entrevistas em vídeo, tirando fotos e coletando informações com o celular, sendo que cada atividade deve ser marcada com o GPS no local em que foi feita, para a posterior montagem de um mapa de atividades dos grupos pela cidade. “É importante para nós o uso do GPS, instrumento que geolocaliza a mídia e o conteúdo no espaço. Então compartilhar o conteúdo é essencial, mas se você está em movimento na cidade, precisa do GPS para marcar de onde você está produzindo aquilo”, explica o italiano Federico Casalegno, diretor do Mobile Experience Lab e diretor associado do Design Laboratory do MIT. “Por exemplo, se você começa uma discussão sobre problemas no trânsito, é importante posicionar essa informação geograficamente. Se você pensa em aprender sobre natureza e arquitetura, também precisa fazer o mesmo.”
No Brasil, o Locast Civic Media trabalha em parceria com a PUC-RS em escolas no Rio Grande do Sul e acaba de firmar um acordo com a Fundação Vanzolini para atuar em escolas da Baixada Santista, litoral sul de São Paulo. O foco dessa ação, que no momento faz a formação de 130 docentes para o projeto, será o mapeamento de questões ambientais na região da Serra do Mar e litoral, e outros temas relacionados à sustentabilidade, como reciclagem e gestão de resíduos. A ação começou em São Vicente e irá se expandir para Santos e Guarujá.
A utilização do GPS permanece como um campo a ser vastamente explorado na educação. Existem inúmeras outras maneiras de utilizá-lo na sala de aula. Em matemática, por exemplo, pode-se dar um ponto pelo GPS e colocar uma questão sobre todas as possíveis localizações de um aluno em relação a esse ponto (por exemplo: se o aluno está a 10 metros do ponto central, em quais lugares ele pode estar na sala de aula?). É possível também fazer um mapa cartográfico, medindo o relevo de um terreno, e também documentar a vida de um ambiente, registrando onde cada foto foi tirada através do GPS, ou ainda registrar um trajeto feito em uma excursão e quais foram os pontos vistos.
Formação e acesso
A proposta depende de criatividade do professor, mas também de acesso e compreensão do aparelho de GPS. Esse é o primeiro desafio a ser vencido no Brasil, segundo a especialistas no uso de tecnologias na educação Daísa Teixeira, para ampliar o uso dessa tecnologia nas escolas. Além disso, ela coloca, é essencial saber fazer um planejamento de como usar a ferramenta. “Sem parar para pensar sobre onde o professor quer chegar com isso, o aparelho não vai servir para muita coisa. Por isso é necessário a formação do professor, para que ele saiba o que fazer, como fazer e com qual propósito”, afirma. Daísa acrescenta que o professor precisa de horário de trabalho reservado para esse planejamento e que isso seja feito de maneira integrada a outras disciplinas.
Já a professora Kátia Silva, do Colégio Progressão, acredita que o GPS pode assustar os leigos, mas que ela própria se familiarizou rapidamente com a ferramenta através de tutoriais na internet. Além disso, ela explica, o professor não precisa dominar ferramentas avançadas do aparelho para conseguir usá-lo na sala de aula. Por isso, para ela, a dificuldade de acesso ao GPS é um problema maior do que a formação para trabalhar com isso, já que o aparelho, ainda que popularizado, ainda é caro e não é um elemento prioritário para uma escola (especialmente na rede pública).
Entrevista com Rinald Lenz
O holandês Ronald Lenz é diretor criativo do 7scenes, aplicativo que, através do GPS, revela conteúdos e tarefas programados pelos professores no celular do aluno quando ele passa pelo ponto de estudo. O aplicativo é usado na Global Gincana, uma iniciativa da ONG Waag Society que, durante 2009 no Brasil, trabalhou conteúdos de intercâmbio entre a cultura holandesa e a nacional com estudantes brasileiros. Na entrevista, Lenz fala à Educação sobre a experiência.
O que a experiência com a Global Gincana no Brasil ensinou vocês sobre o uso de tecnologias como o GPS com os alunos? Por que o Brasil?
Para nós foi muito interessante observar como nossa plataforma para celular, a 7scenes, poderia ser combinada com um jogo tradicional como a gincana, e ver como os brasileiros usam os smartphones. Nós escolhemos Brasil por diversas razões: temos uma longa história compartilhada como país, somos interessados na dinâmica das grandes cidades (São Paulo, Rio de Janeiro) e temos contato com as pessoas do Mobilefest.
Quais são os desafios de hoje usando GPS nas escolas?
O desafio é desenvolver um currículo de mídia para o celular que tenha alto valor educacional para que possa ser usado como uma alternativa real para métodos tradicionais. Além disso, existem, é claro, desafios logísticos com o suprimento de smartphones e suporte técnico.
Como nós podemos resolver o problema da formação de professores para usar essas novas tecnologias, como o GPS?
É importante para as editoras de livros de educação que elas adaptem seu conteúdo para mídia de celular, por exemplo, assim os professores poderão receber treinamento nos novos métodos assim como receberia sobre a introdução de qualquer outro conteúdo.
É economicamente viável implementar projetos com GPS em escolas públicas?
Essa é uma questão difícil. Provavelmente não, se as escolas tiverem que pagar por isso sozinhas. Mesmo com a popularização dos smartphones entre os estudantes. Se instituições educacionais, organizações culturais e governo puderem trabalham juntos, poderão desenvolver produtos educacionais e culturais com por um bom preço e que cujas partes possam ser depois reaproveitadas para propósitos mais comerciais, como o turismo, por exemplo.
Você poderia sugerir maneiras que os professores podem usar o GPS com seus alunos? Qual é o ponto de partida?
É importante partir de um tópico. O que você quer alcançar? Se esse tema puder ser conectado a uma determinada tecnologia, use-a. Não use tecnologia só pelo aparelho em si. Então para assuntos como história, estudos sociais, biologia, geografia, arquitetura e por aí em diante, que têm uma relação natural com localizações urbanas, faz sentido desenvolver um currículo para o celular. Para isso eu poderia usar uma plataforma que eu, como professor, poderia fazer sozinho, sem habilidades técnicas. Para o aplicativo 7scenes, esse foi o objetivo. Tornar fácil para professores e criar e publicar tours de GPS e jogos.