Uma das principais metas do novo Plano Nacional de Educação, a formação de professores é hoje um grande desafio para os municípios, que devem enfrentar falta de articulação com os estados, altos custos dos cursos, pouco acesso ao ensino superior e pouco interesse na carreira do magistério

O ano de 2011 começou sem tréguas para a educação brasileira. O último Censo do Ensino Superior, realizado anualmente pelo Ministério da Educação (MEC), revelou que o número de graduandos nos cursos de Pedagogia e Normal Superior caiu pela metade em quatro anos, de 103 mil, em 2005, para 52 mil, em 2009, enquanto no mesmo período, nos cursos de licenciatura, a queda foi de 77 mil para 64 mil. Em uma relação inversamente proporcional, enquanto a quantidade de formandos nesses cursos diminuiu, o número de professores da educação básica que dão aula sem ter o diploma adequado cresceu de 594 mil em 2007 para 636 mil em 2009, representando 32%, ou um terço, do total.

Apesar de alarmante, o déficit brasileiro na formação de professores não é novidade, e por isso foi contemplado como tema-chave do último Plano Nacional de Educação (PNE). O novo Plano coloca a formação inicial e continuada em diversas de suas metas (veja quadro na página XX), destacando-a como um dos principais desafios para a melhoria da educação no País. Para vencer esse desafio e cumprir as metas do PNE até 2020, todos os professores da educação básica deverão ter formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura, na área de conhecimento que atuam. Por isso, a maior parte dos municípios brasileiros tem uma longa jornada pela frente. Há, no entanto, alguns que se anteciparam e que já conseguiram reverter esse quadro problemático. “Muitos municípios conseguiram desenvolver projetos bastante interessantes, como, por exemplo, Sobral, Jundiaí, Sorocaba e Campo Grande. Mas em termos dos 5.565 municípios no total, ainda são poucos”, observa Bernardete Gatti, superintendente de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas.

As dificuldades a serem enfrentadas pelos municípios são muitas: tornar a carreira do magistério atraente, fixar bons profissionais em redes menores, arcar com os custos da formação e enfrentar o obstáculo da distância de instituições de ensino superior. Mas as soluções já estão colocadas: melhoria dos salários iniciais, dos planos de carreira e das condições de trabalho dos professores, união com municípios próximos que sejam pólos de formação, promover a difusão da internet e a melhoria da qualidade da educação a distância e, principalmente, estabelecer parcerias com os estados e a União e com instituições do ensino superior.

Nas próximas páginas, reunimos algumas sugestões de especialistas e alguns exemplos de municípios que podem servir de inspiração para outras redes à procura de ideias e iniciativas para cumprir as metas de formação de professores do PNE.

Valorização do magistério

“A procura pelos cursos de licenciatura diminuiu em função da desvalorização do magistério, principalmente no setor público”, anuncia Carmen Luiza da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES) e Pró-Reitora Acadêmica da Universidade Tuiuti do Paraná, explicando a queda no número de formandos. Segundo ela, o setor privado de educação superior possui vagas ociosas em todos os cursos de formação de professores. “É necessário um programa efetivo de valorização do magistério para que haja interesse em ingressar na carreira, sem o qual o crescente déficit de professores na rede pública será o maior empecilho para o cumprimento das metas.”

Carmen não é a única a apontar a necessidade de atrair os jovens para uma carreira que, hoje, não oferece muitas oportunidades de crescimento e de sucesso para quem ingressa. Mozart Neves Ramos, presidente do movimento Todos Pela Educação, aponta algumas soluções para a questão da desvalorização da carreira docente. “Em primeiro lugar, é preciso um salário inicial atraente, caso contrário não vamos chamar a atenção dos jovens do Ensino Médio para o magistério. Em segundo lugar, um plano de carreira que mantenha aquele jovem interessado no seu crescimento. Em terceiro lugar está a qualidade da formação inicial, porque de nada adianta quantidade sem qualidade, e estamos formando professores para uma realidade e uma escola pública que não conhecemos. O quarto ponto é prover as condições de ensino para esse professor, pois muitas vezes o jovem deixa a escola porque tem grandes dificuldades para colocar em prática seu trabalho”, enumera.

Uma das redes que conseguiu colocar esses preceitos na prática foi a de Campo Grande, capital sul-mato-grossense. Através dos esforços do município, todos os professores hoje possuem ensino superior. Mas, além disso, a rede criou um programa de pós-graduação que oferece gratuitamente a seus professores nas mais diversas áreas de especialização. Desde 2005, 1500 docentes já fizeram o curso. “O sindicato acha que valorizar o professor é ter um bom salário, o que eu concordo, mas também é receber investimento em conhecimento”, afirma Maria Cecília Motta, secretária municipal de Educação. Campo Grande também se destaca por colocar a formação como uma das condições para a evolução do plano de carreira. Assim que o docente termina o curso de pós-graduação, automaticamente seu salário aumenta em 10%. “Isso incentiva o professor a estudar”, diz Cecília.

Outros municípios, como Palmas (TO), também incluíram a formação como critério para a evolução do plano de carreira. Na capital tocantinense, os professores recebem benefícios seja ao comprovar a mudança de nível de escolaridade (nível médio, nível superior, especialização e mestrado), seja ao atender a cursos da sua área de atuação com carga horária acima de quarenta horas.

Na mesma linha de Campo Grande, a rede da capital do Piauí acredita que investir no professor é não apenas oferecer salários atraentes, mas também valorizar sua formação. É por isso que Teresina criou, há quatro anos, o Centro de Formação Professor Odilon Nunes, para onde os professores vão semanalmente em seu horário de trabalho. Lá são oferecidos cursos de formação inicial e continuada, assim como treinamentos voltados para a realidade das salas de aula da rede, ferramentas para elaborar o material de aula e também acompanhamento do plano de trabalho. Além disso, no Centro de Formação os professores podem discutir dificuldades e questões pedagógicas que enfrentam no dia a dia escolar. “Temos um grupo de professores formadores que recebem demandas do pedagogo da escola ou do superintendente que visita diariamente de duas a três unidades e detecta as necessidades do professor. A partir disso, os formadores produzem oficinas com temas diversos e separadas por área, como, por exemplo, educação infantil, e os supervisores acompanham para verificar se surgem dificuldades”, explica José Ribamar Torres, secretário municipal de Educação. Outros estímulos à formação da rede de Teresina é garantir que quando um docente se ausenta para estar no Centro, um professor auxiliar é colocado em seu lugar na sala de aula; e também um decreto municipal que incentiva a publicação da produção científica dos professores, com apresentação anual dos trabalhos no Salão Internacional do Livro, presente em 17 países.

A política de formação de professores de Teresina vai ao encontro dos princípios de valorização do magistério colocados por Mozart Ramos, do Todos pela Educação, inclusive no quesito de gerar boas condições de trabalho. “Por que um jovem com formação de nível superior iria para um município sem condições apropriadas, onde não vai ter oportunidade de crescimento? Eles precisam de uma política de incentivo à formação da mesma forma que os professores de universidades federais têm da Capes”, coloca.

Parceria fundamental

Valorizar o magistério, oferecendo aos professores um salário e plano de carreira atraentes, formação inicial e continuada e boas condições de trabalho, é essencial. Mas poucos municípios conseguem fazer isso sem a ajuda da União e do respectivo estado. Por isso, estabelecer parcerias com instituições de ensino superior é colocado como um elemento-chave desse processo por municípios que já avançaram na formação de seus professores.

Isso não se restringe, no entanto, a recorrer apenas aos programas já configurados, como a Plataforma Freire, oferecida pelo governo federal. As redes têm criado convênios locais adaptados à realidade do município, de forma a ratear os custos e usufruir da infraestrutura de universidades estaduais e federais.

Em Teresina, por exemplo, uma lei municipal garante uma bolsa para o professor no valor de até 70% de seu salário para os cursos de mestrado e especialização, em qualquer universidade do município, desde que o curso compreenda a área de atuação do docente. A rede possui também convênios com a State University of New York at Oswego, nos Estados Unidos, com a Universidade de Lisboa, em Portugal, e com a ONG Jica (Japan International Cooperation Agency), no Japão, através dos quais são realizados cursos, intercâmbios e conferências.

Campo Grande formatou suas parcerias de maneira diferente: toda a formação, seja ela inicial ou continuada, é feita 50% nas universidades do município. “A parte mais genérica, de aprendizagem, avaliação etc., é feita na Secretaria, e a mais específica fica para as universidades”, afirma a secretária Cecília. No total, são 360 horas de curso, todas no horário de trabalho do professor. Se ele precisa se ausentar da sala de aula, a secretaria coloca um substituto em seu lugar.

São Bernardo do Campo (SP) escolheu apenas uma instituição, a Universidade de São Paulo (USP), para fazer uma parceria: criaram um programa de pós-graduação especialmente para a realidade de São Bernardo, do qual 826 professores da rede fazem parte. “Queríamos um curso mais voltado para a prática de sala de aula dos professores em exercício, então escolhemos área estratégicas como educação infantil, meio ambiente, educação inclusiva e formação de gestores”, conta Cleuza Repulho, presidente da Undime Sudeste e dirigente municipal de educação de São Bernardo do Campo. Outra forma de parceria explorada por São Bernardo é que, com o auxílio do MEC, o município é pólo formador para educação inclusiva de outras 19 redes.

O novo PNE determina que União, estados e municípios devem atuar em conjunto para enfrentar os desafios da educação, mas, segundo Daniel Cara, coordenador da Campanha Todos Pela Educação, a forma como isso deve acontecer e as responsabilidades de cada um não ficaram claras no documento, e por isso grande parte dos municípios não contam com a ajuda do governo estadual por falta de articulação entre as duas esferas. “A união, por sua vez, não afirma suas próprias responsabilidades e não aponta para estados e municípios as tarefas que eles devem ter”, critica.
Para Cleuza, da Undime, se o regime de colaboração entre municípios, estados e União não for efetivado, quem mais deve sofrer as consequências são os municípios menores, que não têm arrecadação própria e, portanto, não são sistemas autônomos. “Em municípios pequenos, como no Vale do Ribeira, se não houver regime de colaboração não será possível fazer a formação de professores. O MEC não tem representação em cada estado, mas a secretaria estadual tem vínculo com seus municípios”, diz, frisando a responsabilidade dos estados em prestar assistência aos municípios na formação de professores, fato que não acontece em grande parte das unidades federativas.

Ramos, do Todos pela Educação, observa que na realidade brasileira existem três tipos de município: aqueles próximos a instituições de ensino superior e que, em geral, não têm problemas para estabelecer parcerias; aqueles relativamente distantes desses centros formadores, mas que podem optar por uma formação semi-presencial ou a distância, ou ainda se unir a uma rede que seja pólo-formadora; e aqueles que são muito distantes de universidades, municípios-pólo e não têm condições de enviar professores para esses lugares ou de estabelecer uma infraestrutura de ensino a distância. “Este último é o pior dos mundos, e se concentra em geral no Norte e Nordeste, em municípios que têm dificuldade de fixar profissionais em suas redes e, consequentemente, não existe uma política de formação, o que leva a não-equidade da formação de qualidade. É aí que o MEC tem que ter uma lupa e ajudar com recursos financeiros para motivar os jovens para ir e se fixar nesses municípios”, analisa.

Quem paga a conta?

A tarefa de formar centenas de milhares de professores não sai barata. O novo Plano Nacional da Educação determinou que 7% do PIB nacional deverão ser destinados à educação, o que, em princípio, deverá melhorar a qualidade dos cursos oferecidos e o alcance da formação. Por enquanto, porém, grande parte dos municípios que conseguiram formar seu quadro docente usa arrecadação própria ou recursos do Fundeb. “O Fundeb já cumpre seu papel e seus recursos já são limitados”, afirma Mozart Neves Ramos, presidente do Todos Pela Educação. A solução, segundo Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, seria que a União criasse programas de repasse de recursos com amparo legal, “acima das determinações políticas e partidárias da União, e com critérios que não sejam absurdos como os do FNDE, que praticamente impedem os municípios de acessar o dinheiro e burocratiza excessivamente a articulação”. Vila Pavão (ES), uma cidadezinha de 8.700 habitantes, é um dos milhares de municípios que tentam arcar com os custos da formação de professores a partir do Fundeb. A solução encontrada pelo município foi, além de estabelecer parcerias para cursos dos governos estadual e federal, oferecer formação a distância, resultando em 95% do quadro de docentes graduados. A educação a distância ou semi-presencial é colocada como uma das soluções para o desafio da formação de professores em um país com as dimensões do Brasil, com um porém: especialistas afirmam que a qualidade desses cursos, em âmbito geral, ainda é muito baixa e em descompasso com a realidade da sala de aula, o que não os torna uma solução e sim outra parte do problema.

As metas de formação do novo PNE

Veja como a formação de professores aparece no novo Plano Nacional da Educação.

  • Como estratégias da meta 1 (universalização do atendimento e da oferta de educação infantil), estão o fomento da formação inicial e continuada de profissionais do magistério desse nível de ensino e o estímulo à articulação entre cursos stricto sensu e de formação de professores para a educação infantil para a construção de currículos mais atuais
  • Dentro da meta 2, de universalização do ensino fundamental de nove anos, estão como estratégias a formação de professores para a educação do campo e a manutenção de programas de formação de pessoal especializado
  • Uma das estratégias da meta 4 (de universalização da educação especial na rede regular de ensino)é fomentar a formação continuada de professores para o atendimento educacional especializado complementar
  • Formação de recursos humanos para a educação em tempo integral é uma das estratégias da meta 6, segundo a qual 50% das escolas públicas de educação básica oferecerão essa modalidade de ensino
  • Para atingir a meta 7, que estabelece médias nacionais desejáveis para o Ideb e, portanto, determina a melhoria da qualidade do ensino, a formação de professores é imprescindível
  • A estratégia de formar docentes das redes públicas que atuam na educação de jovens e adultos integrada à educação profissional faz parte da meta 10 (oferecer 25% das matrículas de EJA junto à educação profissional nos anos finais dos ensinos fundamental e médio)
  • Parte da meta 12, que estabelece o aumento das matrículas no ensino superior, é a estratégia de fomentar cursos de formação de professores para a educação básica, especialmente para suprir o déficit de profissionais em áreas específicas
  • A meta 13 estabelece a ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior, e uma de suas estratégias é induzir a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas
  • O regime de colaboração entre União, estados e municípios é a meta 15, que coloca, ainda, que todos os professores da educação básica devem ter formação específica de nível superior obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam
  • Por fim, a meta 16 espera que pelo menos 50% dos professores da educação básica se especializem em sua área de atuação e tenham pós-graduação lato e stricto sensu