Estima-se que 3,6 milhões de brasileiros tenham se matriculado em cursos a distância em busca de mais flexibilidade de horários e de local de estudo

Dizer que a procura por cursos de educação a distância é uma tendência não faz jus aos espantosos números de crescimento da modalidade. Apenas na graduação, o MEC registrou um aumento de 5.287 matrículas em 2000 para 992.927 em 2011, o equivalente a 18.680% a mais em pouco mais de dez anos.

Esses quase um milhão de alunos buscam as 142 instituições credenciadas para oferta de EAD (10% do total), somando 1.044 cursos de graduação a distância (Censo da Educação Superior de 2011). Se sairmos do âmbito da graduação, o Censo da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) mostra que, no mesmo ano, foram 3,6 milhões de matrículas em EAD, já que os cursos livres representam uma considerável fatia do segmento.

Essa evolução é recente, pois não faz muitos anos que educação a distância era sinônimo de cursos apostilados feitos por correspondência (mais tarde substituídos por CDs e DVDs, mas com a mesma lógica), que tinham pouca credibilidade e eram vistos com desdém no mercado de trabalho.

A grande revolução dos cursos a distância veio com a popularização da internet, que possibilita interações imediatas, conforme explica Ivete Palange, consultora da Abed. “Na educação a distância, assim como em todas as novas mídias, existe uma tendência de usar referenciais antigos no começo. Quando surgiu a televisão, por exemplo, as primeiras transmissões eram teatros televisionados”, afirma.

Para ela, a EAD passou pelo mesmo processo. No início, os cursos não exploravam todos os recursos que a tecnologia oferecia, por isso eram considerados conteúdos engessados que permitiam pouca interação e, logo, não exploravam o potencial de ensino aprendizagem da ferramenta. “Em um primeiro momento, o pessoal brincava falando que eram cursos de PDF online – as pessoas respondiam às questões e pronto”, conta Ivete. Ela explica que hoje as instituições têm buscado dar um melhor acompanhamento ao aluno, lançando mão de recursos que vão além do texto, como vídeos, jogos, áudios, fóruns digitais, redes sociais, videoconferências e outros materiais interativos – ainda que exista muito a ser aprimorado.

Flexibilidade

A palavra que mais determina o tamanho sucesso da EAD é “flexibilidade”. Isso porque, conforme observa Ivete, é possível ter acesso a muitas universidades às quais o maior público da EAD nunca teria nas condições presenciais, por morarem afastados dos grandes centros. Mas mesmo habitando as capitais, uma considerável parcela dos alunos desta modalidade são atraídos para o ensino a distância por causa de seus horários e sua rotina pouco ortodoxos de trabalho, que não possibilitam uma rotina de estudos presencial.

Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho de hoje exige mais do que um diploma de graduação – o profissional do século 21 precisa se atualizar constantemente e agregar o máximo de valor possível ao seu currículo. Mas como fazer isso se o tempo é cada vez mais escasso? A EAD preenche essa lacuna. Além disso, a modalidade faz parte de um movimento das tecnologias de proporcionar acesso a todos os públicos. “Há 20 anos, precisávamos atravessar a cidade e buscar uma biblioteca para fazer uma pesquisa, mas isso mudou. Podemos acessar a informação até dos nossos celulares, de onde quer que a gente esteja”, diz. “Mudou o processo de organizar essa informação e torná-la acessível para o aluno. Acompanhar mudanças exige flexibilidade, e isso tem atraído muitas pessoas para a educação a distância.”

Aderir a essa flexibilidade tem recompensado as instituições de ensino. A Universidade Metodista de São Paulo, por exemplo, passou a oferecer cursos a distância há sete anos, e hoje metade dos seus alunos são desta modalidade – 11 mil em 15 cursos. “Nesses sete anos temos espelhado os cursos a distância nos presenciais, e hoje inclusive temos três cursos somente a distância. Estamos crescendo, pois são cursos que se replicam”, afirma Adriana Barroso de Azevedo, coordenadora do Núcleo de Educação a Distância da Metodista. Outro sinal de que a EAD tem crescido na instituição é que, neste ano, ela vai praticamente duplicar o número de polos presenciais no país – de 37 para 70 –, oferecendo ainda mais acesso a pessoas que estão longe de São Paulo.

A demanda por esse tipo de curso fez também com que o Senac São Paulo passasse, a partir de 2013, a realizar a oferta de EAD na graduação. Inicialmente com três cursos, a instituição esperava que 300 alunos se inscrevessem, mas no início do ano letivo já havia 450 matriculados. Segundo Zilma Maria de Carvalho, coordenadora de EAD do Centro Universitário Senac, em 2003 a instituição tinha um crescimento de 11% ao ano no ensino presencial, e isso baixou para 6,45% em 2010. Em compensação, a demanda pela EAD foi de 10,9%. “No ensino presencial existe um número limitado de espaço físico, e a educação a distância pode trazer essa flexibilidade de espaço e uma abrangência muito maior”, afirma. Para ela, além da flexibilidade, as pessoas e as empresas estão aos poucos entendendo que o valor de um curso a distância e de um presencial é o mesmo.


O perfil do aluno

De acordo com o último Censo de EAD da Abed, mais de 70% dos alunos da modalidade estudam e trabalham, e a maioria é mulher (com exceção dos cursos corporativos, em que os homens são 52%). Ainda que o último documento não tenha aferido a idade dessas pessoas, a edição de 2010 aponta que a idade média é de 33 anos. Adriana, do Núcleo de Educação a Distância da Metodista, observa que esse público mais velho e de trabalhadores sempre foi maioria na EAD da instituição, mas recentemente, apesar de continuar prevalecendo, esse perfil tem sido ampliado para jovens egressos do ensino médio. “Isso também faz com que o público de EAD seja cada vez mais ligado com a tecnologia, o que é interessante porque cada vez menos a tecnologia é uma barreira”, diz.

Zilma, coordenadora de EAD do Centro Universitário Senac, complementa que o aluno da modalidade tem em geral entre 25 e 30 anos, e deve ser uma pessoa disciplinada e autônoma nos estudos. “O aluno precisa ter a consciência de que a o professor é mediador de aprendizagem para aproveitar o que o curso tem para oferecer”, afirma.

Regina Maria dos Santos é um exemplo do perfil do aluno de EAD. Na faixa dos 30 anos, ela trabalha em período integral afastada de um grande centro. Moradora de Juazeiro do Norte (CE), distante 550 quilômetros da capital do estado, Regina não encontrava alternativas para se especializar em sua cidade. Professora de geografia em uma escola estadual de período integral, Regina se matriculou em um curso de especialização a distância em turismo e hospitalidade oferecido pelo IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará). “Eu não teria como fazer o curso presencial, porque sou professora temporária e o estado não libera para fazer especialização em outra localidade. Mesmo se liberasse, não seria viável devido às despesas”, explica.

Regina está no seu primeiro ano de curso, ainda se adaptando à nova rotina. Ela chega todos os dias em casa no fim da tarde e reserva no mínimo uma hora à noite para entrar na plataforma online e fazer as atividades. Seu objetivo, no entanto, é aumentar esse período para duas horas de estudo, pois gosta de participar ativamente dos fóruns de discussão. “Os fóruns fazem diferença, porque só está lá quem realmente quer estudar e compreender o assunto. É interessante como formação continuada poder bater um papo, tirar duvidas, trocar experiências e debater com os colegas”, diz.

A professora precisa se locomover até o polo presencial apenas três vezes no ano, e considera isso ideal. Segundo ela, existem outros alunos no curso que se deslocam de Sergipe, de São Paulo, do Amazonas e de Pernambuco.


Cenário brasileiro

É difícil comparar a realidade da EAD no Brasil àquela no exterior, a exemplo dos Estados Unidos. É o que defende Ivete Palange, consultora da Abed. Para ela, os cursos por aqui são respostas a demandas locais de pessoas com uma realidade muitas vezes específica ao Brasil, como o isolamento em áreas da Região Norte. “Na Amazônia houve uma tentativa de formar professores a distância. Como as áreas eram muito distantes, optaram inicialmente pelo material impresso. Demorou 45 dias para o material chegar aos professores, e a universidade reclamou com o correio, mas simplesmente não era possível entregar antes. Isso fez com que eles revisassem a forma de levar o conteúdo aos alunos. Prepararam barcos com antena e televisor, que possibilitavam a interação com o professor, e eles aportavam em alguns vilarejos. Temos situações especificas que requerem soluções diferenciadas”, conta.


Desafios da qualidade

A explosão da educação a distância no Brasil criou a demanda para que a modalidade fosse regulamentada apenas no meio dos anos 2000, com os decretos 5.622, 5.773 e 6.303 – de 2005, 06 e 07, respectivamente. Mas o segmento ainda tem a sua frente muitos desafios de qualidade. Para Eliane Schlemmer, professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, coordenadora do grupo de pesquisa em Educação Digital vinculado ao CNPQ e membro da comissão científica da Abed, houve pouca evolução da EAD no Brasil em relação ao seu potencial. “Em primeiro lugar, embora os referenciais de qualidade colocados pelo MEC digam que não existe um modelo único de educação a distância, que os programas podem ter diferentes desenhos e formatações, existe uma hegemonia de um modelo com tutor que não tem a inventividade necessária para uma educação de evoluções aceleradas com a tecnologia digital”, afirma.

Além disso, Eliane acredita que a EAD não deveria ter esse nome, pois o fato de ser a distância não interfere no fato de que é educação e ponto. Para ela, isso acontece porque o modelo ainda precisa ser descentralizado da figura do professor. Se a visão é a de que o professor ensina a distância, a nomenclatura se justifica. Mas se pensarmos que é um processo de aprendizado com protagonismo do aluno, então não há necessidade do “a distância”.

Outro entrave, segundo a especialista, é que a maior parte dos cursos de EAD não contemplam especificidades regionais e locais, tampouco se adaptam a áreas do conhecimento diferentes. “Será que a forma como eu trabalho a área de humanas é a mesma que eu trabalharia medicina e saúde?”, questiona. Isso faz parte da crítica à adoção de estruturas rígidas de curso.


O que são os polos presenciais?

Segundo o MEC, existem 7.511 polos de apoio presencial para a oferta de EAD. Mas o que isso significa, afinal? Como a educação a distância tem como princípio ampliar o acesso aos cursos, atingindo pessoas que moram longe da instituição de ensino, cada escola cadastrada para oferecer essa modalidade pode ter polos presenciais espalhados pelo país, que são usados com a frequência determinada pelo curso. Além disso, o MEC determina que parte das avaliações seja feita presencialmente, de forma que ainda não é possível um curso de graduação e pós-graduação ser 100% remoto.

A Universidade Aberta do Brasil (UAB), por exemplo, é uma congregação de 93 universidades públicas federais que oferecem cursos a distância, e possui 649 polos em diversos pontos do território nacional.

“É interessante entender que o polo tem uma capilaridade, então abrange municípios vizinhos. Nosso polo de Imperatriz, no Maranhão, por exemplo, recebe alunos das redondezas e também aqueles que atravessam a fronteiras do Tocantins. O aluno de EAD se desloca até 200 km para participar da aula e das avaliações”, afirma Adriana, da Metodista. A instituição possui 37 polos em 14 estados e no Distrito Federal, e trabalha com encontros presenciais uma vez por semana. Já o Centro Universitário Senac, que acaba de iniciar a oferta de EAD na graduação, pretende chegar aos 500 polos presenciais, com encontros apenas bimestrais.


FAQ da EAD

  • O diploma a distância tem o mesmo valor que o presencial? “O diploma tem a mesma validade e a carga horária é a mesma. Não existe nenhuma diferença entre um e outro”, explica Adriana, da Metodista.
  • Um curso de EAD é mais fácil do que um presencial? “Muitos entram nessa modalidade com o preconceito de que a distância é mais fácil. Isso é uma questão que vamos trabalhando com eles, porque não é mais fácil, e sim mais difícil. Ir ao polo dá conta de 20% do seu trabalho, tem 80% a distância que vai depender da sua capacidade de organização, de concentração para os estudos e de articulação entre os conteúdos”, observa Adriana.
  • Quantas vezes é preciso ir ao polo? Embora isso varie de curso para curso, Zilma, do Senac, responde de acordo com a instituição: “Essa é uma preocupação do aluno, porque ele precisa fazer o deslocamento. Por isso optamos por poucos encontros, de forma a não prejudicá-lo.”